NOITE DE ORAÇÃO

Ontem foi Noite de Oração na nossa paróquia da Marinha Grande, que sempre acontece à sexta feira de quinze em quinze dias.

Uma noite de cantar, louvar, ouvir e partilhar a Palavra, invocar o Espírito Santo e, sobretudo, deixar-se conduzir por Ele, deixando-se tocar por Deus.

Fiquei de coração cheio!

Eramos poucos, talvez uns quinze, mas ouvir as orações espontâneas de louvor dos outros, fazer delas orações minhas também, congrega-nos, junta-nos, irmana-nos, faz de nós família de Deus que louva o Pai no Filho pelo Espírito Santo.

Cantar alegremente, letras que são orações, deixar-se envolver na melodia mais extrovertida ou mais interiorizada, faz-nos sentir bem, leva-nos a perceber que não é preciso ser cantor para cantar as maravilhas de Deus.

Depois, ouvir a Palavra de Deus, lê-la, reflecti-la, medita-la, e partilha-la com os outros, dando de si aquilo que a Palavra disse a cada um, com as nossas experiências pessoais, é, não só, um momento feliz para melhor conhecer Deus, mas também uma exortação a cada um a viver mais ainda o amor de Deus que nos é dado pela Palavra, (que é o próprio Deus), e pelas irmãs e irmãos que deixando-se tocar por Deus, nos tocam também em união de fé.

Invocar o Espírito Santo e desejar íntima e profundamente senti-lO em nós, leva-nos a uma serenidade que só se alcança com a paz de Deus, que como Jesus Cristo nos diz, não é a “paz que nos dá o mundo”, mas sim a paz da alegria intima, da confiança redobrada, da esperança que já se toca, da vida em abundância que só Deus nos pode dar.

E depois interceder em comunhão de oração pela Igreja, pelo mundo, pelos outros, pelos que mais necessitam, pelas nossas intenções do dia a dia, dá-nos a certeza que Deus nos ouve e nos concede, segundo a Sua vontade, o que pedimos, porque é Jesus Cristo que no-lo diz claramente:

«Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de meu Pai que está no Céu. Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.» Mt 18, 19-20

Sentada numa cadeira discretamente, ali na sala com os seus filhos, está sempre a Mãe do Céu, intercedendo e pedindo ao seu Filho por todos nós, dizendo-nos continuamente:

«Fazei tudo o que Ele vos disser» Jo 2, 5

Aliás a alegria, a serenidade, o bem estar, é bem visível em todos, porque mesmo acabando a oração ali se fica a conversar, a trocar experiências vividas, no fundo a ser família de Deus unida em Igreja.

E a porta aberta convida qualquer um a entrar e a rezar ou simplesmente permanecer com os outros, vivendo o encontro com Jesus Cristo que se faz sempre presente quando nos reunimos em Seu Nome.

Que Noite de Oração! Obrigado meu Deus!

Joaquim Mexia Alves

Quaresma 2022: este é o tempo para semear o bem e a paz

“Quero celebrar a Páscoa em tua casa” (Mt 26, 18). É o convite e a promessa que Jesus faz a cada cristão que se põe a caminho no percurso da Quaresma, rico de espiritualidade e de promessas de vida nova. O itinerário é paradoxal: das cinzas... ao fogo. E não o contrário!

Começa com a imposição das cinzas. É um símbolo austero da fragilidade de todos os humanos, da nossa vida efémera. Com este rito, o cristão reconhece a necessidade de se abrir a Deus que o faz renascer das cinzas através do fogo da Páscoa.

O fogo que o pode reanimar só pode vir do alto pela graça de Deus. É o fogo da Vigília Pascal. A cinza não é removida, mas é-nos posta sobre a cabeça para que, transformada por Deus, se torne fogo que arde no coração, purifica, dá calor e vida.

Das cinzas até ao fogo estende-se o caminho do discípulo de Jesus que se abre à conversão. O fogo da Vigília Pascal – Cristo Ressuscitado – ilumina este caminho. É a bondade misericordiosa de Deus que vem visitar a humanidade para renovar cada homem, dar-lhe um coração novo, vida nova, nova esperança.

Esta simbólica pascal das cinzas e do fogo ajuda-nos a viver neste momento histórico. De facto, após longo período de fragilidades, feridas, incertezas, luto e medos provocados pela pandemia, paira no mundo uma ameaça de guerra. É necessário, por isso, despertar do cansaço espiritual, da apatia, do desalento e do desânimo. Tudo isto pode levar ao fatalismo, ao sentido de impotência face à realidade dura, à indiferença e ao desinteresse em relação aos outros e aos desafios a enfrentar para um mundo melhor.

Não nos cansemos de fazer o bem

Neste panorama, é de premente atualidade a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma deste ano com o título de uma passagem da carta aos Gálatas “Não nos cansemos de fazer o bem...Enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos” (6, 9-10). É um mote belo e inspirador para a nossa conversão.

Perante a tentação de ceder ao cansaço, ao egoísmo individualista e à indiferença à vista dos sofrimentos alheios, o Papa exorta a pôr toda a confiança no Senhor: “Com efeito, mesmo os melhores recursos conhecem limitações: «Até os adolescentes se cansam, se afadigam, e os jovens tropeçam e vacilam» (Is 40, 30). Deus, porém, «dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco. (…) Aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 29.31). A Quaresma chama-nos a repor a nossa fé e esperança no Senhor (cf. 1 Ped 1, 21), pois só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado (cf. Heb 12, 2) é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: «Não nos cansemos de fazer o bem” (Gal 6,9).

De seguida, o Papa indica os meios clássicos e sempre atuais do caminho quaresmal para fazer o bem: a oração, o jejum e a partilha, convidando cada um a concretizá-los na sua vida.

Não nos cansemos de rezar

A Quaresma é tempo de cuidar da vida interior. Em primeiro lugar, da nossa relação pessoal e íntima com Deus Pai misericordioso através da oração mais intensa e assídua. “Jesus ensinou-nos que é necessário «orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18, 1). Precisamos de rezar, porque necessitamos de Deus. A ilusão de nos bastar a nós mesmos é perigosa... A fé não nos preserva das tribulações da vida, mas permite atravessá-las unidos a Deus em Cristo”.

A oração é ir à fonte de todo o amor, onde recebemos a luz, a coragem e a força de amar, de vencer o cansaço e resistir ao desencanto neste tempo atribulado.

Para a prática da oração, além de outras formas ao gosto de cada um e das famílias, propomos e recomendamos novamente a todo o povo de Deus o retiro popular, segundo o método da leitura orante da Palavra de Deus. Para isso, está disponível o opúsculo “Juntos a caminho com a Palavra, a Eucaristia e o Serviço”. É um meio maravilhoso e importantíssimo para ler e meditar os Evangelhos, compreender o grande dom, o mistério admirável do infinito amor que Jesus nos comunica com a sua presença real na celebração da Eucaristia. Além disso é um modo de aprender a rezar a vida com o Evangelho e vice-versa.

Recomendamos também a iniciativa “24 horas para o Senhor”, a concretizar nos dias 25 e 26 de março, sexta-feira e sábado, ao cuidado das paróquias, vigararias e outras comunidades. Aproveitemos esta oportunidade para organizar momentos de oração e adoração eucarística e para celebrar o sacramento da Reconciliação.

Não nos cansemos de jejuar

O jejum não está fora de moda. Do ponto de vista físico, é praticado por motivos de saúde ou de estética. Numa sociedade de consumismo devorador não é mera questão de se privar de carne ou de comida, mas estilo de vida sóbrio. Esta sobriedade tem uma riqueza de significado espiritual. Ajuda ao autodomínio das inclinações para o mal. Desperta-nos, torna-nos mais atentos e abertos a Deus e ao próximo. É também um meio de partilhar, privando-me do supérfluo.

O Papa aplica o jejum, de modo concreto, à “dependência dos meios de comunicação digitais, que empobrece as relações humanas. A Quaresma é tempo propício para contrastar estas ciladas, cultivando ao contrário uma comunicação humana mais integral feita de «encontros reais» face a face”. 

Respondamos generosamente ao recente apelo do Papa Francisco a favor da paz na Ucrânia: “E agora gostaria de apelar a todos, crentes e não-crentes. Jesus ensinou-nos que à diabólica insensatez da violência se responde com as armas de Deus, com a oração e o jejum. Convido todos a fazer no próximo dia 2 de março, quarta-feira de Cinzas, um Dia de jejum pela pazEncorajo de modo especial os crentes a fim de que naquele dia se dediquem intensamente à oração e ao jejum. Que a Rainha da paz preserve o mundo da loucura da guerra”.

Não nos cansemos de partilhar 

A Quaresma chama-nos e educa-nos a viver a beleza e a riqueza da caridade como relação fraterna, doação, partilha e serviço a quem necessita de ajuda. São muito belas, expressivas e concretas as sugestões do Santo Padre: “Se é verdade que toda a nossa vida é tempo para semear o bem, aproveitemos de modo particular esta Quaresma para cuidar de quem está próximo de nós, para nos aproximarmos dos irmãos e irmãs que se encontram feridos na margem da estrada da vida (cf. Lc 10, 25-37). A Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão. Acolhamos o apelo a praticar o bem para com todos, reservando tempo para amar os mais pequenos e indefesos, os abandonados e desprezados, os discriminados e marginalizados”.

Um sinal neste sentido é a chamada renúncia quaresmal. A coleta desta renúncia na nossa diocese será canalizada para a Diocese de Tete, em Moçambique, cujo bispo, D. Diamantino Antunes, é missionário da Consolata e natural de Albergaria dos Doze. É uma diocese pobre, carente de recursos humanos e materiais para a obra de evangelização.

Deseja aplicar as ofertas na reabilitação de uma escola secundária (Boroma), que vai beneficiar 700 alunos. Demos, pois, um testemunho forte de generosidade na partilha para dar uma escola àqueles alunos.  

Não nos cansemos de caminhar

Um exercício espiritual muito útil para todos nós será a peregrinação diocesana a Fátima, no dia 3 de abril, 5º domingo da Quaresma. Deixemo-nos tocar, envolver e mobilizar pelo lema do cântico que foi o hino do IV sínodo diocesano: “Povo de Deus, Igreja santa, bendiz o teu Senhor”. A Virgem Maria, nossa mãe, espera-nos no seu santuário, para nos acolher com a sua ternura, nos animar e conduzir a seu Filho, que nos reúne à volta do altar e nos alimenta com a Palavra de Deus e a comunhão do seu Corpo e do seu Sangue.  Levamos no coração e nos lábios a prece pelos bons frutos do processo sinodal em toda a Igreja e pela paz no mundo, especialmente onde ela é mais necessária. Estaremos também em sintonia com os jovens e a sua e nossa preparação para a grande Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, em 2023. Tomamos como exemplo inspirador os santos Pastorinhos, com a sua oração incessante pela paz, a prática da adoração e do grande amor a Jesus escondido, no Santíssimo Sacramento.

Animem-se e ajudem-se uns aos outros para se porem a caminho e nos congregarmos em grande número no Santuário de Fátima.

A todos os diocesanos desejo Santa Quaresma e Feliz e Alegre Páscoa de Ressurreição!

 

Leiria, 24 de fevereiro de 2022. 

† Cardeal António Marto, Administrador Apostólico de Leiria-Fátima

Comunicado do Conselho Permanente da CEP

1. O Conselho Permanente refletiu sobre a situação atual da pandemia e decidiu que as celebrações da Eucaristia com a presença da assembleia sejam retomadas a partir do dia 15 de março, observando as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa de 8 de maio de 2020, em consonância com as normas das autoridades de saúde.

Quanto à celebração doutros sacramentos, observem-se as normas de segurança e de saúde referidas nas mesmas orientações.

Nesta fase evitar-se-ão procissões e outras expressões da piedade popular, como as “visitas pascais” e a “saída simbólica” de cruzes, de modo a evitar riscos para a saúde pública.

A Assembleia Plenária da CEP de 12-15 de abril de 2021 reavaliará estas orientações, tendo em conta a situação de pandemia do país.

 

2. Na sequência da Nota da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (17.2.2021), apresentamos algumas orientações para as celebrações da Semana Santa.

-       Para o Domingo de Ramos, a Comemoração da entrada de Jesus em Jerusalém seja celebrada com a segunda forma prevista pelo Missal Romano. Evitem-se os ajuntamentos dos fiéis; os ministros e os fiéis tenham nas mãos o ramo de oliveira ou a palma que trazem consigo; de nenhum modo seja permitido a entrega ou a troca de ramos. Onde for oportuno utilize-se a terceira forma do Missal Romano, que comemora de forma simples a entrada do Senhor em Jerusalém.

-       A Missa crismal seja celebrada na manhã de Quinta-feira Santa ou, segundo o costume de algumas Dioceses, na Quarta-feira de tarde. Se não for possível «uma representação significativa de pastores, ministros e fiéis», o Bispo diocesano avalie a possibilidade de transferi-la para outro dia, de preferência dentro do Tempo Pascal.

-       A Quinta-feira Santa, na Missa vespertina da “Ceia do Senhor” omita-se o lava-pés. No final da celebração, o Santíssimo Sacramento poderá ser levado, como se prevê no rito, para o lugar da reposição numa capela da igreja onde se possa fazer a adoração, no respeito das normas para o tempo da pandemia.

-       A Sexta-feira Santa, retomando a indicação do Missal Romano (“Em caso de grave necessidade pública, pode o Ordinário do lugar autorizar ou até decretar que se junte uma intenção especial”), o Bispo introduza na oração universal uma intenção «pelos doentes, pelos defuntos e pelos doridos que sofreram alguma perda». O ato de adoração da Cruz mediante o beijo seja limitado só ao presidente da celebração.

-       A Vigília pascal poderá ser celebrada em todas as suas partes como previsto pelo rito.

 

Lisboa, 11 de março de 2021

Mensagem Quaresma 2021: A cultura do cuidado recíproco, caminho de conversão

A Quaresma é para os cristãos uma ocasião bela e propícia para cuidarmos do nosso espaço interior a fim de reencontrar o essencial das nossas vidas e renovar a nossa relação com o Senhor e com os outros, nossos irmãos.

Este ano viveremos a Quaresma no contexto da terceira vaga da pandemia mais complicada e cheia de incerteza. Gerou-se um ambiente onde se respira cansaço, perplexidade, desconcerto, esgotamento face às feridas pessoais e familiares e aos efeitos económicos e sociais que a crise pandémica deixa atrás de si. Mesmo ao nível da fé sentimos os efeitos das restrições sanitárias na ausência de celebrações e adiamento de atividades pastorais comunitárias, com certo enfraquecimento da vivência da fé e dos laços comunitários de proximidade e fraternidade. Todo este panorama nos leva a interrogar: Será que Deus nos quer dizer algo? “O silêncio da crise que o mundo vive pode ser um espaço vazio ou de escuta. É um vazio ou estamos em fase de escuta?”, interroga-se o Papa Francisco.

Olhando para o nosso mundo ferido, o convite que chega à Igreja para enfrentar e resolver a atual situação de pandemia é o de colocar a atenção na “cultura do cuidado recíproco”, como se depreende da mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz e da encíclica “Todos Irmãos”. Não se pode viver ignorando o outro porque “estamos todos na mesma barca”, todos interdependentes. A cultura do cuidado é a expressão de responsabilidade evangélica e cívica que cada um de nós deve viver e testemunhar. 

 

Cuidar da Fé, Esperança e Caridade

Na mensagem para a Quaresma, o Santo Padre convida-nos a cuidar antes de mais as virtudes fundamentais do cristão: a fé, a esperança e a caridade. Elas estão no fundamento do cuidado recíproco, inspiram-no e alimentam-no. Eis apenas três citações da mensagem que ilustram bem este aspeto:

A Quaresma é um tempo para acreditar, ou seja, para receber a Deus na nossa vida permitindo-Lhe «fazer morada» em nós (cf. Jo 14, 23). Jejuar significa libertar a nossa existência de tudo o que a atravanca, inclusive da saturação de informações – verdadeiras ou falsas – e produtos de consumo, a fim de abrirmos as portas do nosso coração Àquele que vem a nós pobre de tudo, mas «cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14): o Filho de Deus Salvador”. Abrimos o nosso coração a Deus escutando-o através da leitura orante da Palavra de Deus e do colóquio pessoal ou comunitário. Para este efeito propomos o já habitual retiro popular com o lema: “À mesa da Palavra e do Pão da Vida”.

Viver uma Quaresma com esperança significa sentir que, em Jesus Cristo, somos testemunhas do tempo novo em que Deus renova todas as coisas (cf. Ap 21, 1-6), «sempre dispostos a dar a razão da [nossa] esperança a todo aquele que [no-la] peça» (1 Ped 3, 15): a razão é Cristo, que dá a sua vida na cruz e Deus ressuscita ao terceiro dia... No recolhimento e oração silenciosa, a esperança é-nos dada como inspiração e luz interior, que ilumina desafios e opções da nossa missão; por isso mesmo, é fundamental recolhermo-nos para rezar (cf. Mt 6, 6) e encontrar, no segredo, o Pai da ternura”.

Por fim, o Papa apresenta a caridade como a mais alta expressão da nossa fé e esperança: “A caridade alegra-se ao ver o outro crescer;e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado... A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos gerando o vínculo da partilha e da comunhão”.

 

A medicina espiritual do cuidado recíproco

A experiência da fragilidade na pandemia fez-nos sentir que todos temos necessidade uns dos outros. Conduz-nos a viver a caridade como cultura do cuidado recíproco para construir uma sociedade de relações fraternas. Nenhum de nós reparará o mundo sozinho. Ao vírus do individualismo e da indiferença aplica-se a medicina do cuidado recíproco. Devemos ter presente que cuidar não se limita a prestar cuidados indispensáveis. Começa antes demais por aproximar-se do outro, olhá-lo não como estranho, mas como nosso próximo, escutar o seu sofrimento como quem escuta um coração que bate, estabelecer uma relação de acolhimento, respeito, ternura, confiança, delicadeza e serviço. Só o amor nos dá olhos para ver, um coração para ser sensíveis, inteligência para ser criativos de cuidados e serviços, mãos para levar ajuda.

  

Recuperar a amabilidade nas relações humanas

Nesta linha, o Papa Francisco assinala a urgência de recuperar a virtude da amabilidade para nos tornarmos “estrelas no meio da escuridão” (FT 222).

“A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes... Uma pessoa amável deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença. Este esforço, vivido dia a dia, é capaz de criar aquela convivência sadia que vence as incompreensões e evita os conflitos. O exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma profundamente o estilo de vida, as relações sociais, o modo de debater e confrontar as ideias. Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a exasperação destrói todas as pontes” (FT 224).

 

Partilha solidária: a renúncia quaresmal para a Cáritas diocesana

O cuidado recíproco leva-nos a percorrer o caminho da solidariedade ativa quer na responsabilidade pelo bem comum quer no apoio aos mais pobres e necessitados. 

Neste contexto situa-se a chamada “renúncia quaresmal” como expressão da partilha solidária de bens. No ano passado, o resultado da renúncia estava destinado à diocese de Tete em Moçambique. Em virtude das restrições a que o confinamento nos obrigou, não foi possível proceder à recolha dos donativos em todas as comunidades. Por esse motivo, entendemos e anunciámos na altura que a renúncia quaresmal deste ano seria para a mesma diocese de Tete. Entretanto chegou-nos um apelo da Presidente da Cáritas nacional para a destinar à Cáritas de cada diocese, invocando o motivo do aumento exponencial do número cada vez maior de pessoas e famílias que recorrem às Cáritas diocesanas. Estas, por sua vez, encontram-se em dificuldades económicas porque no ano passado não foi possível fazer o habitual peditório de rua (como também não será este ano), nem o previsto ofertório. Por isso, tendo ouvido o Conselho de Vigários, decidimos enviar à diocese de Tete a recolha do ano transato, com a promessa de a completar com a renúncia quaresmal do próximo ano, 2022; e que a renúncia da quaresma deste ano de 2021 será destinada à Cáritas diocesana pelos motivos expostos.

   

Sacramento da Penitência e da Reconciliação

A Quaresma é um tempo propício para celebrar o sacramento da penitência e reconciliação. Nele é Deus, rico de misericórdia, que vem ao encontro de cada um com a graça do perdão dos pecados pessoais. Recebemos a alegria da reconciliação com Deus e com os irmãos, da cura das feridas interiores, de avançar no caminho da conversão e da vida nova, de readquirir a serenidade e a paz interior. 

Na atual emergência, sacerdotes e penitentes “devem adotar as prudentes atenções na celebração individual do sacramento, tais como a celebração num lugar ventilado fora do confessionário, a adoção de uma distância adequada, a utilização de máscaras protetoras, sem prejuízo da atenção absoluta à salvaguarda do sigilo sacramental e à necessária discrição” (Penitenciaria Apostólica). 

Nestes condicionamentos, os sacerdotes darão a conhecer os horários de atendimento ou os penitentes poderão marcar previamente com o(s) sacerdote(s).

Lembro o esclarecimento emanado da Penitenciaria Apostólica para uma situação concreta em que os fiéis podem vir facilmente a encontrar-se neste tempo: “Onde o fiel se encontrar na dolorosa impossibilidade de receber a absolvição sacramental, deve-se recordar que a contrição perfeita, proveniente do amor do Deus amado acima de tudo, expressa por um sincero pedido de perdão (o que o penitente é atualmente capaz de manifestar) e acompanhada pela firme resolução de recorrer, quanto antes, à confissão sacramental, obtém o perdão dos pecados, até mortais (cf. CIC, n. 1.452)”.

 

Peregrinação a Fátima

Do programa pastoral consta sempre a peregrinação diocesana a Fátima, ao encontro de Nossa Senhora e nossa Padroeira. Também este ano não será possível fazê-la na forma habitual com a presença da assembleia dos fiéis. Vamos realizá-la sob a forma de peregrinação interior. Como bispo celebrarei a santa Missa no Santuário com uma representação muito reduzida de cada vigararia. Esta celebração é transmitida pela TV Canção Nova e possibilita que muitos estejam espiritualmente unidos.  

Maria, mãe de Jesus, soube unir o amor e a ternura com a esperança de uma conversão evangélica. É bom que, mesmo em peregrinação interior, elevemos os olhos e o coração para Ela. Como seus filhos estamos certos de que nos acompanhará com o cuidado e a ternura de mãe. Ela cuidará da nossa fé e da nossa esperança e nos ensinará a cuidar uns dos outros como irmãos, com amor fraterno. E assim também nos ensinará a viver a Eucaristia como sacramento do amor na sua dimensão sacramental e na sua dimensão fraterna e missionária.

 

Programação Pastoral 

Todos sabemos como a pandemia veio alterar os nossos programas com novas surpresas pelo caminho. Também nós tínhamos traçado um programa pastoral para este primeiro ano do biénio dedicado à “Eucaristia, comunidade cristã e missão”, na esperança de que a pandemia regredisse. Aconteceu o contrário. Por isso, sentimo-nos obrigados a adiar para o próximo ano algumas atividades programadas para este. Assim, em vez de um biénio teremos um triénio dedicado ao mesmo tema. Este primeiro ano não é vazio, mas de lançamento, sensibilização e motivação com as atividades possíveis de implementar. 

Invocando a proteção de Nossa Senhora de Fátima, de Santo Agostinho e dos santos Pastorinhos desejo a todos uma santa Quaresma!

 

Leiria, 15 de fevereiro de 2021. 

† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

Mensagem Quaresma 2021: A cultura do cuidado recíproco, caminho de conversão (Copy)

A Quaresma é para os cristãos uma ocasião bela e propícia para cuidarmos do nosso espaço interior a fim de reencontrar o essencial das nossas vidas e renovar a nossa relação com o Senhor e com os outros, nossos irmãos.

Este ano viveremos a Quaresma no contexto da terceira vaga da pandemia mais complicada e cheia de incerteza. Gerou-se um ambiente onde se respira cansaço, perplexidade, desconcerto, esgotamento face às feridas pessoais e familiares e aos efeitos económicos e sociais que a crise pandémica deixa atrás de si. Mesmo ao nível da fé sentimos os efeitos das restrições sanitárias na ausência de celebrações e adiamento de atividades pastorais comunitárias, com certo enfraquecimento da vivência da fé e dos laços comunitários de proximidade e fraternidade. Todo este panorama nos leva a interrogar: Será que Deus nos quer dizer algo? “O silêncio da crise que o mundo vive pode ser um espaço vazio ou de escuta. É um vazio ou estamos em fase de escuta?”, interroga-se o Papa Francisco.

Olhando para o nosso mundo ferido, o convite que chega à Igreja para enfrentar e resolver a atual situação de pandemia é o de colocar a atenção na “cultura do cuidado recíproco”, como se depreende da mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz e da encíclica “Todos Irmãos”. Não se pode viver ignorando o outro porque “estamos todos na mesma barca”, todos interdependentes. A cultura do cuidado é a expressão de responsabilidade evangélica e cívica que cada um de nós deve viver e testemunhar. 

 

Cuidar da Fé, Esperança e Caridade

Na mensagem para a Quaresma, o Santo Padre convida-nos a cuidar antes de mais as virtudes fundamentais do cristão: a fé, a esperança e a caridade. Elas estão no fundamento do cuidado recíproco, inspiram-no e alimentam-no. Eis apenas três citações da mensagem que ilustram bem este aspeto:

A Quaresma é um tempo para acreditar, ou seja, para receber a Deus na nossa vida permitindo-Lhe «fazer morada» em nós (cf. Jo 14, 23). Jejuar significa libertar a nossa existência de tudo o que a atravanca, inclusive da saturação de informações – verdadeiras ou falsas – e produtos de consumo, a fim de abrirmos as portas do nosso coração Àquele que vem a nós pobre de tudo, mas «cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14): o Filho de Deus Salvador”. Abrimos o nosso coração a Deus escutando-o através da leitura orante da Palavra de Deus e do colóquio pessoal ou comunitário. Para este efeito propomos o já habitual retiro popular com o lema: “À mesa da Palavra e do Pão da Vida”.

Viver uma Quaresma com esperança significa sentir que, em Jesus Cristo, somos testemunhas do tempo novo em que Deus renova todas as coisas (cf. Ap 21, 1-6), «sempre dispostos a dar a razão da [nossa] esperança a todo aquele que [no-la] peça» (1 Ped 3, 15): a razão é Cristo, que dá a sua vida na cruz e Deus ressuscita ao terceiro dia... No recolhimento e oração silenciosa, a esperança é-nos dada como inspiração e luz interior, que ilumina desafios e opções da nossa missão; por isso mesmo, é fundamental recolhermo-nos para rezar (cf. Mt 6, 6) e encontrar, no segredo, o Pai da ternura”.

Por fim, o Papa apresenta a caridade como a mais alta expressão da nossa fé e esperança: “A caridade alegra-se ao ver o outro crescer;e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado... A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos gerando o vínculo da partilha e da comunhão”.

 

A medicina espiritual do cuidado recíproco

A experiência da fragilidade na pandemia fez-nos sentir que todos temos necessidade uns dos outros. Conduz-nos a viver a caridade como cultura do cuidado recíproco para construir uma sociedade de relações fraternas. Nenhum de nós reparará o mundo sozinho. Ao vírus do individualismo e da indiferença aplica-se a medicina do cuidado recíproco. Devemos ter presente que cuidar não se limita a prestar cuidados indispensáveis. Começa antes demais por aproximar-se do outro, olhá-lo não como estranho, mas como nosso próximo, escutar o seu sofrimento como quem escuta um coração que bate, estabelecer uma relação de acolhimento, respeito, ternura, confiança, delicadeza e serviço. Só o amor nos dá olhos para ver, um coração para ser sensíveis, inteligência para ser criativos de cuidados e serviços, mãos para levar ajuda.

  

Recuperar a amabilidade nas relações humanas

Nesta linha, o Papa Francisco assinala a urgência de recuperar a virtude da amabilidade para nos tornarmos “estrelas no meio da escuridão” (FT 222).

“A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes... Uma pessoa amável deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença. Este esforço, vivido dia a dia, é capaz de criar aquela convivência sadia que vence as incompreensões e evita os conflitos. O exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma profundamente o estilo de vida, as relações sociais, o modo de debater e confrontar as ideias. Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a exasperação destrói todas as pontes” (FT 224).

 

Partilha solidária: a renúncia quaresmal para a Cáritas diocesana

O cuidado recíproco leva-nos a percorrer o caminho da solidariedade ativa quer na responsabilidade pelo bem comum quer no apoio aos mais pobres e necessitados. 

Neste contexto situa-se a chamada “renúncia quaresmal” como expressão da partilha solidária de bens. No ano passado, o resultado da renúncia estava destinado à diocese de Tete em Moçambique. Em virtude das restrições a que o confinamento nos obrigou, não foi possível proceder à recolha dos donativos em todas as comunidades. Por esse motivo, entendemos e anunciámos na altura que a renúncia quaresmal deste ano seria para a mesma diocese de Tete. Entretanto chegou-nos um apelo da Presidente da Cáritas nacional para a destinar à Cáritas de cada diocese, invocando o motivo do aumento exponencial do número cada vez maior de pessoas e famílias que recorrem às Cáritas diocesanas. Estas, por sua vez, encontram-se em dificuldades económicas porque no ano passado não foi possível fazer o habitual peditório de rua (como também não será este ano), nem o previsto ofertório. Por isso, tendo ouvido o Conselho de Vigários, decidimos enviar à diocese de Tete a recolha do ano transato, com a promessa de a completar com a renúncia quaresmal do próximo ano, 2022; e que a renúncia da quaresma deste ano de 2021 será destinada à Cáritas diocesana pelos motivos expostos.

   

Sacramento da Penitência e da Reconciliação

A Quaresma é um tempo propício para celebrar o sacramento da penitência e reconciliação. Nele é Deus, rico de misericórdia, que vem ao encontro de cada um com a graça do perdão dos pecados pessoais. Recebemos a alegria da reconciliação com Deus e com os irmãos, da cura das feridas interiores, de avançar no caminho da conversão e da vida nova, de readquirir a serenidade e a paz interior. 

Na atual emergência, sacerdotes e penitentes “devem adotar as prudentes atenções na celebração individual do sacramento, tais como a celebração num lugar ventilado fora do confessionário, a adoção de uma distância adequada, a utilização de máscaras protetoras, sem prejuízo da atenção absoluta à salvaguarda do sigilo sacramental e à necessária discrição” (Penitenciaria Apostólica). 

Nestes condicionamentos, os sacerdotes darão a conhecer os horários de atendimento ou os penitentes poderão marcar previamente com o(s) sacerdote(s).

Lembro o esclarecimento emanado da Penitenciaria Apostólica para uma situação concreta em que os fiéis podem vir facilmente a encontrar-se neste tempo: “Onde o fiel se encontrar na dolorosa impossibilidade de receber a absolvição sacramental, deve-se recordar que a contrição perfeita, proveniente do amor do Deus amado acima de tudo, expressa por um sincero pedido de perdão (o que o penitente é atualmente capaz de manifestar) e acompanhada pela firme resolução de recorrer, quanto antes, à confissão sacramental, obtém o perdão dos pecados, até mortais (cf. CIC, n. 1.452)”.

 

Peregrinação a Fátima

Do programa pastoral consta sempre a peregrinação diocesana a Fátima, ao encontro de Nossa Senhora e nossa Padroeira. Também este ano não será possível fazê-la na forma habitual com a presença da assembleia dos fiéis. Vamos realizá-la sob a forma de peregrinação interior. Como bispo celebrarei a santa Missa no Santuário com uma representação muito reduzida de cada vigararia. Esta celebração é transmitida pela TV Canção Nova e possibilita que muitos estejam espiritualmente unidos.  

Maria, mãe de Jesus, soube unir o amor e a ternura com a esperança de uma conversão evangélica. É bom que, mesmo em peregrinação interior, elevemos os olhos e o coração para Ela. Como seus filhos estamos certos de que nos acompanhará com o cuidado e a ternura de mãe. Ela cuidará da nossa fé e da nossa esperança e nos ensinará a cuidar uns dos outros como irmãos, com amor fraterno. E assim também nos ensinará a viver a Eucaristia como sacramento do amor na sua dimensão sacramental e na sua dimensão fraterna e missionária.

 

Programação Pastoral 

Todos sabemos como a pandemia veio alterar os nossos programas com novas surpresas pelo caminho. Também nós tínhamos traçado um programa pastoral para este primeiro ano do biénio dedicado à “Eucaristia, comunidade cristã e missão”, na esperança de que a pandemia regredisse. Aconteceu o contrário. Por isso, sentimo-nos obrigados a adiar para o próximo ano algumas atividades programadas para este. Assim, em vez de um biénio teremos um triénio dedicado ao mesmo tema. Este primeiro ano não é vazio, mas de lançamento, sensibilização e motivação com as atividades possíveis de implementar. 

Invocando a proteção de Nossa Senhora de Fátima, de Santo Agostinho e dos santos Pastorinhos desejo a todos uma santa Quaresma!

 

Leiria, 15 de fevereiro de 2021. 

† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

10 Razões civis contra a Eutanásia | D. José Tolentino de Mendonça

1. A vida tem, desde o seu princípio ao seu fim natural, a mesma dignidade absoluta que deve ser salvaguardada e protegida. Os grandes textos civis e sagrados, médicos e filosóficos que são a matriz das nossas sociedades, e formam a nossa consciência moral, recordam-no incessantemente. Ir contra o primado da vida é atentar contra a humanidade de todos os seres humanos.

2. Não é o primado da vida que tem de estar sujeito às circunstâncias (económicas, políticas, culturais, etc.) de cada tempo, mas sim as circunstâncias que devem estar ao serviço incondicional do primado da vida. A verdadeira missão que compete à política é o suporte infatigável à vida.

3. Nenhuma vida vale mais do que outra. Nenhuma vida vale menos. A vida dos fracos vale tanto como a dos fortes. A vida dos pobres vale o mesmo que a dos poderosos. A vida dos doentes tem um valor idêntico à vida dos saudáveis. Passar a ideia de que há vidas que, em determinadas situações, podem valer menos do que outras é um princípio que conflitua com os valores universais que nos regem

4. O sofrimento humano é uma realidade do percurso pessoal, que pode atingir formas devastadoras, é verdade. Mas o próprio respeito devido ao sofrimento dos outros e ao nosso deve fazer-nos considerar duas coisas: 1) que temos de recorrer aos instrumentos médicos e paliativos ao nosso alcance para minorar a dor; 2) que temos de reconhecer que o sofrimento é vivido de modo diferente quando é acompanhado com amor e agrava-se quando é abandonado à solidão. É fundamental dizer, por palavras e gestos, que “nenhum homem é uma ilha”.

5. Recordo o que me contou, emocionada, uma voluntária que trabalha há anos numa unidade oncológica: “O que me faz mais impressão é o número de pessoas que morrem completamente sós.” Devia-nos impressionar a todos a desproteção familiar e social que tantos dos nossos contemporâneos experimentam precisamente na hora em que se deveriam sentir sustentados pela presença e pelo amor dos seus. A solução não é avançar para medidas extremas como a eutanásia, mas inspirar modelos de maior coesão, favorecendo práticas solidárias em vez de deixar correr a indiferença e o descarte.

6. Por trás da vontade de morrer subjaz sempre uma vontade ainda maior de viver, que não podemos não ouvir. Claro que a vida dá trabalho. Que o serviço à vida frágil, à vida na sua nudez implica muitos sacrifícios e uma dedicação que parece maior do que as nossas forças. Mas coisa nenhuma é mais elevada do que essa. Talvez em vez dos heróis que sonambulamente festejamos, as nossas sociedades deveriam colocar os olhos no verdadeiro heroísmo: o heroísmo daqueles que enfrentam o caminho do sofrimento; o heroísmo daqueles que se dedicam ao cuidado dos outros como testemunhas de um amor incondicional.

7. As nossas sociedades têm de se perguntar se já fizeram tudo o que podiam fazer para promover e amparar a vida, sobretudo a daqueles que são mais frágeis.

8. Os paradigmas de felicidade da sociedade de consumo são paraísos artificiais talhados à medida do indivíduo, que passa a preocupar-se apenas por si mesmo e que se apresenta como o seu começo e o seu fim. Em nome dessa felicidade assiste-se facilmente ao triunfo do egoísmo. Porém, a pergunta ancestral “onde está o teu irmão?” será sempre um limiar inescusável na construção da felicidade autêntica.

9. Àqueles que, movidos pelos melhores sentimentos, veem na eutanásia um passo em frente da nossa civilização recomendo a leitura do conto de James Salter intitulado “A Última Noite” (Porto Editora, 2016). Tem razão quem escreveu que a literatura é uma lente para olhar o humano.

10. Diga-se o que se disser, a vida é a coisa mais bela.

Artigo de opinião com o título «José Tolentino Mendonça e as razões civis contra a eutanásia» publicado no Expresso

Alteração à vida Paroquial no novo confinamento

Dada a actual situação da luta contra a Covid 19 e seguindo as indicações da Conferência Episcopal Portuguesa, suspendemos as celebrações presenciais.

A catequese estava já em regime digital e assim permanecerá até indicação em contrário.

No Sábado 23 de Janeiro já não haverá
celebração presencial.

Ao Domingo mantém-se a celebração online às 11h00 (sem povo) no Youtube e Facebook.

De Segunda  a Sexta celebração online às 19h00 no Youtube.

As intenções de missa mantêm-se durante a semana, a marcação pode ser feita em
www.paroquiadamarinhagrande.pt ou por telefone.

O atendimento de Cartório e outros assuntos devem ser tratados por marcação como anunciado.

Mensagem de Natal 2020 do nosso Bispo, Cardeal D. António Marto

O Natal da fragilidade e da fraternidade

O Natal é um dos momentos mais belos do ano, da vida familiar e social e até universal. Mesmo os não crentes podem sentir nesta celebração cristã algo de fascinante, algo que toca o íntimo, um encanto especial que faz aflorar os mais belos e profundos sentimentos. De facto evoca recordações de ternura e bondade suscita a atenção para os valores humanos fundamentais: o dom da vida, a família, a paz, a gratuidade e solidariedade.

Este ano paira sobre esta festa a sombra da pandemia que nos deixa abatidos, ansiosos, com medo, desolados e entristece os nossos corações. Impõe-nos viver o Natal de modo diferente, mais simples e sóbrio. Devemos respeitar as exigências e recomendações sanitárias mesmo adaptando horários compatíveis com o recolher obrigatório. Porém, o vírus não pode extinguir o amor, a esperança e a alegria natalícias. Não renunciaremos às celebrações da fé próprias do Natal.

 

“O Coração do Natal”: Deus na fragilidade da nossa carne

A atual situação é também um apelo a recuperar a verdade do Natal na sua autenticidade e no seu significadotantas vezes ofuscados pelo consumismo e pela festa exterior. Não podemos esquecer o cenário deste momento que traz consigo dificuldades e feridas pessoais, familiares e sociais e que vamos celebrar o Natal dentro de uma experiência de fragilidade. Mais necessidade temos de viver a espiritualidade própria que nos ajude a superar esta pandemia.

Não nos limitamos a comemorar o aniversário do nascimento de Jesus. Celebramos um mistério sempre atual: o mistério de Deus que se fez homem, carne humana, para ser e permanecer Deus connosco. Celebramos um ato de Deus totalmente inesperado: Deus faz-se menino indefeso como quem estende os seus ternos braços para abraçar a todos. Naquele menino torna-se tão próximo de cada um de nós que podemos tratá-lo por tu e manter com ele uma relação de profundo afeto. Naquele menino manifesta-se Deus Amor. Vem habitar a nossa pobreza e fragilidade para partilhar o seu amor, a sua luz, esperança e paz. Deus ama-nos como somos.

Eis porque temos necessidade de celebrar o “coração do Natal”, de lhe dar mais lugar na nossa vida. “Deus vem no meio da pandemia, pega na nossa mão, muda o nosso coração e envia-nos a mudar a situação” (Mensagem da CEP). Quem tem fé nunca está só. E a fé não nos tira os momentos difíceis mas dá-nos a força necessária para os enfrentar sabendo que não estamos sós. Ele é a nossa força.

Não será este tempo propício para nos interrogarmos se abrimos o nosso coração a Deus que vem ao nosso encontro em Jesus? Conhecemos de verdade a Jesus e o seu Evangelho? Seguimo-lo de perto? Comungamos com Ele intimamente, na Eucaristia, as nossas alegrias e dores?

 

A mística da fraternidade: cuidar do irmão

Um dos aspetos mais belos do Natal é a fraternidade universal em Cristo. Revela que todos somos filhos do mesmo Pai e todos irmãos. Por isso, o Natal cristão deve ser celebração do amor fraterno. “Esta pandemia... amadureceu em nós a exigência duma nova fraternidade, capaz de ajuda recíproca e estima mútua. Este é um tempo favorável para «voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo (...)”. Nunca como agora faz tanto sentido falar de fraternidade e amizade social porque todos nos damos conta de que ninguém se salva sozinho. Se a pandemia nos faz sentir irmãos na dor, não podemos deixar de sentir a necessidade de nos tornar irmãos no amor.

O Papa Francisco chama-nos a viver a fraternidade como uma verdadeira mística para reconstruir o mundo dividido por muros de toda a espécie: “a mística de viver juntos, misturarmo-nos, encontrarmo-nos, darmos o braço, apoiarmo-nos... Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem” (EG 87). Para realizar isto, convida-nos a tomar consciência de que “os cristãos não podemos esconder que, se a música do Evangelho deixa de vibrar nas nossas entranhas, teremos perdido a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança, a capacidade de reconciliação... Para nós este manancial de dignidade humana e de fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo” (FT 277).

Aqui vemos manifesta “a vocação a formar uma comunidade composta por irmãos que se acolhem reciprocamente, cuidando uns dos outros” (FT 96). Sim, o sonho de Deus é que aprendamos a cuidar do irmão sobretudo do mais vulnerável ao jeito de Jesus, Bom Samaritano. Assim, a celebração do Natal não permite que passemos ao lado, indiferentes à pobreza, ao abandono dos idosos ou sós, dos migrantes, dos sem abrigo, dos descartados.

Devemos pois interrogar-nos: “Como podemos nós (como posso eu) oferecer conforto, consolação, apoio, ajuda, partilha, solidariedade, alívio ao sofrimento dos mais frágeis, pobres, marginalizados e necessitados?

 

Um gesto de solidariedade: estender a mão

À interrogação anterior, o Papa Francisco responde com uma expressão sugestiva, interpeladora e inspiradora: “estende a tua mão ao pobre” (Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres). Estender a mão, antes de mais, como sinal de afeto, porque a maior pobreza é a falta de ser amado e a incapacidade de amar. Implica também que seja um gesto que dá apoio e sentido à vida. O Papa especifica: “Estender a mão é um sinal: um sinal que evoca imediatamente a proximidade, a solidariedade, o amor. Nestes meses, em que o mundo inteiro foi dominado por um vírus que trouxe dor e morte, desconforto e perplexidade, pudemos ver tantas mãos estendidas”! De seguida enumera muitas dessas mãos estendidas: dos profissionais de saúde, dos responsáveis dos serviços administrativos, dos voluntários, dos sacerdotes, dos homens e mulheres que garantem os serviços essenciais e de segurança, e tantos outros que assumem os pesos dos mais frágeis e vulneráveis. 

Cada um ou cada comunidade procurará identificar uma ação concreta de partilha e solidariedade a realizar neste Natal. O Papa Francisco, recentemente, sugeriu o seguinte: “No tempo de Natal, muita gente pergunta-se: O que posso comprar? Que mais quero ter? Digamos outra palavra, “o que posso dar aos outros?”, para ser como Jesus que se deu a si mesmo e nasceu precisamente naquele presépio”.

Neste sentido, apelo vivamente à participação na iniciativa de solidariedade de Natal “10 milhões de estrelas – um gesto pela paz”, promovida pela Cáritas Nacional e levada a cabo pela nossa Cáritas Diocesana. Cada vela custa dois euros. Do total das verbas recolhidas 65% destinam-se à Cáritas Diocesana no seu trabalho de apoio às pessoas necessitadas. Os restantes 35% são canalizados para o apoio às vítimas da pandemia provocada pela propagação do vírus da Covid-19, concretamente os que estão a sofrer o impacto social desta crise, através do programa “Inverter a Curva da Pobreza em Portugal”.

Na atual situação tem aumentado o número de pessoas carenciadas a bater à porta da nossa Cáritas. Apelo, pois, à vossa generosidade tendo presente a palavra de Jesus “há mais alegria em dar do que em receber”. Ouçamos o grito dos nossos irmãos necessitados.

Não Haverá Natal?

Para terminar deixo à vossa meditação um belo texto de um pároco de Pamplona que ilumina a vivência deste Natal em tempo de pandemia:

NÃO HAVERÁ NATAL?

Claro que sim!

Mais silencioso e com mais profundidade,

Mais parecido com o primeiro em que Jesus nasceu em solidão.

Sem muitas luzes na terra,

mas com a da estrela de Belém

fulgurando trilhas de vida na sua imensidão.

Sem cortejos reais colossais,

mas com a humildade de sentir-nos

pastores e servos que buscam a Verdade.

Sem grandes mesas e com amargas ausências,

mas com a presença de um Deus que tudo preencherá.

Não haverá natal?

Claro que sim!

Sem as ruas a transbordar,

mas com o coração aquecido

pelo que está por chegar.

Sem barulhos nem ruídos,

propagandas ou foguetes...

mas vivendo o Mistério, sem medo

do "covid-herodes" que pretende

tirar-nos até o sonho da esperança.

Haverá Natal, porque Deus está ao nosso lado

e partilha, como Cristo no presépio,

a nossa pobreza, provação, pranto, angústia e orfandade.

Haverá Natal porque necessitamos

de uma luz divina no meio de tanta escuridão.

A Covid19 nunca poderá chegar ao coração nem à alma

dos que no céu põem sua esperança e seu maior ideal.

Haverá Natal!

Cantaremos os nossos cantos natalícios!

Deus nascerá e nos trará a liberdade!

A todos os diocesanos faço votos de Feliz e Santo Natal e Ano Novo com a bênção da fraternidade que nos une numa única família humana!

 

Leiria, 17 de dezembro de 2020.

† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

 

Nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa

1. Damos graças a Deus que neste Natal de 2020 nos convoca a um encontro mais íntimo e essencial com o Emanuel que veio salvar-nos. Queremos levar até ao presépio principal das nossas igrejas – o altar onde o Verbo encarnado se faz nosso Pão – a oferenda da dor e solidão de tantas famílias que vivem horas de sobressalto ou de luto, a generosidade de tantos homens e mulheres que de muitos modos e nos mais diversos âmbitos se dedicam a aliviar esses sofrimentos, os progressos da investigação científica e da solidariedade humana que fazem acender um farol de esperança no horizonte da família humana.

2. Acolhemos as orientações anunciadas pelas autoridades civis e sanitárias: permitir às famílias algum reencontro e celebração comum das próximas festas do Natal. E fazemos nossa a recomendação que as acompanha: que a alegria da festa e dos encontros familiares seja acompanhada de todas as cautelas, de modo que às festividades não suceda nova vaga de contágios com os consequentes sofrimentos e lutos.

3. O anúncio é auspicioso não apenas para as famílias – Igrejas domésticas – mas também para a grande família eclesial que vê, assim, ampliadas as possibilidades de celebrar em comunidade festas tão marcantes na vida da fé. Congratulamo-nos porque as orientações anunciadas nos permitem celebrar em assembleia não apenas nas manhãs dos dias de Natal, do Domingo da Sagrada Família (27 de dezembro) e da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus (1 de janeiro), mas também na véspera desses dias festivos e na tarde dos dias de Natal e de Ano Novo.

4. Desde já agradecemos a disponibilidade generosa dos Sacerdotes para proporcionarem aos fiéis ocasiões ampliadas de participação na Liturgia festiva desta quadra, ao mesmo tempo que os exortamos a manter todos os cuidados, conforme as nossas orientações de 8 de maio. Coerentemente, abstenham-se da prática tradicional de dar a imagem do Menino a beijar, substituindo esse gesto de veneração afetuosa por qualquer outro que não implique contacto físico e previna aglomerações.

5. A todos os que se enquadram nas chamadas «situações de risco» e a quantos estão de facto impedidos de participar presencialmente na Eucaristia, convidamo-los a santificar estes dias pela oração e pela caridade, pondo no centro da sua vivência natalícia a fé em Jesus Cristo, Deus que se fez nosso irmão, e o amor ao próximo.

6. Por fim, exortamos todas as famílias cristãs a avivarem a consciência da principal razão de ser destes seus encontros e convívios – o nascimento de Jesus, que introduz a humanidade na Família do próprio Deus, realizando na terra a fraternidade e a paz – e os enriqueçam com algum momento de oração em redor da mesa ou junto ao presépio e, se possível, com a participação conjunta na Eucaristia festiva das suas comunidades.

Fátima, 9 de dezembro de 2020