Nota Pastoral na comemoração dos cinquenta anos do “25 de Abril”

1. Na comemoração do cinquentenário da Revolução de 25 de Abril de 1974 cabe aos Bispos de Portugal uma palavra que, sendo de congratulação, também seja de reflexão e revisão do caminho percorrido pela sociedade portuguesa, de que a Igreja faz parte.

Saudando todos quantos bem serviram e servem o país no sustento da democracia política e no desenvolvimento social e solidário, será também oportuno lembrar o que a Conferência Episcopal Portuguesa publicou em duas cartas pastorais de antes e depois da data que comemoramos. É o que fazemos aqui com brevidade, por ser um método simples e concreto de revermos o que se propôs, o que se conseguiu e o que falta.

 

2. Primeiramente a Carta Pastoral no décimo aniversário da “Pacem in Terris”, de 4 de maio de 1973, aplicando a Portugal os tópicos fundamentais da encíclica que S. João XXIII dedicara ao tema dos direitos humanos e da reta organização da vida social.

Não ignorando o que se fizera para dotar o país de mais riqueza, cultura, previdência e assistência, os Bispos acrescentavam palavras que cabe reproduzir, dada a precisão do diagnóstico, quase um ano antes do “25 de Abril”: «Não podemos descansar enquanto a expansão económica favorecer desmedidamente alguns, sem proporcionar a todos os cidadãos a parte equitativa que lhes cabe na produção e distribuição dos bens. Não poderemos deter-nos, no caminho do progresso, enquanto a agricultura continuar a ser um setor deprimido no confronto com a indústria e os serviços, enquanto as possibilidades de acesso à educação e à cultura não estiverem generalizadas a todos os portugueses, enquanto houver quem se sinta indefeso perante a doença e a velhice, enquanto os verdadeiros padrões de vida moral e cívica não impregnarem a sociedade inteira e lhe constituírem a autêntica armadura defensiva».

Uma “armadura defensiva” que requeria, segundo os Bispos, a maior participação de todos, incluindo pluralismo político, eleições livres, meios de comunicação igualmente livres e responsáveis e processos ética e juridicamente irrepreensíveis de manter a segurança.

Diretrizes assim prepararam certamente quem as recebeu para a situação que adviria um ano depois graças ao Movimento das Forças Armadas, cujo programa coincidia em boa parte com os referidos pontos da Carta Pastoral. Aliás, o “25 de Abril” traduzia também a vontade de terminar com a guerra ultramarina, cada vez mais insuportável para a população em geral e contestada por muitos católicos politicamente ativos.

 

3. Mais desenvolvida foi a Carta Pastoral sobre o contributo dos cristãos para a vida social e política, de 16 de julho de 1974, na qual os Bispos respondiam aos apelos entretanto recebidos para darem uma palavra de orientação naquele «momento de profundas mutações na vida do Povo português».

Assim fizeram, aludindo ao fim de dois períodos históricos, a saber, o do anterior regime e o do império ultramarino, com o que tal exigia de redefinição nacional. Referiam depois “claros e escuros” no que se passara desde abril, com a exaltação das liberdades cívicas e o fim do ostracismo internacional que sofríamos; e também com excessos que os Bispos reprovavam, mas não queriam sobrevalorizar por surgirem em fases de grande mutação social, a superar depois.

O documento episcopal apresentava igualmente o “conceito cristão de democracia”, que «parte da ideia do homem como pessoa, livre e responsável com destino próprio e transcendente, mas essencialmente solidário com os outros homens». Daqui que devesse ser respeitado nas suas agregações naturais ou solidárias, a começar pela família, sendo apoiado e não substituído pelo Estado, servidor do bem comum de todos.

Prosseguindo com as opções partidárias e esclarecendo as diferentes ideias que as suportavam, os Bispos concluíam com um apelo veemente à participação dos católicos na vida nacional a refazer: «Apelamos, pois, para a presença ativa dos católicos, ao lado de todos os homens de boa vontade, nas primeiras linhas da luta pelo Portugal de amanhã: nos partidos, sim, mas também nos sindicatos, nos meios de comunicação social, nos centros de cultura, etc.».

 

4. Passado meio século, podemos e devemos reconhecer tudo quanto se conseguiu de positivo no Portugal democrático, a começar pela liberdade política, o fim da guerra em África e a dedicação cívica de tantos, das autarquias ao Estado, da vida nacional à integração europeia. Estabilizada a situação no novo quadro constitucional, muito se conseguiu para responder a várias necessidades da altura ou depois surgidas – e muita participação houve também por parte de católicos politicamente comprometidos e de instituições de solidariedade social ligadas à Igreja.

Este mesmo impulso solidário, que ganhámos em cinquenta anos de vida democrática, é o que nos levará a todos, cidadãos dum país entretanto enriquecido com populações advindas doutros espaços e culturas, a atingir novas metas nos campos da família, da habitação e do trabalho, da educação e da saúde e de tudo o que garanta uma vida digna a quantos somos hoje e seremos amanhã. Vida devidamente respeitada e acompanhada em todas as suas fases e circunstâncias, da conceção à morte natural.

Retomemos as intenções dos autores do “25 de Abril”, no sentido da democratização do país, do fim da guerra e do desenvolvimento geral. Intenções que nos continuam a reclamar nos dias de hoje.

No que à democracia diz respeito, necessário é que ela conte com a liberdade e a responsabilidade dos cidadãos, devidamente respeitados e estimulados para o incremento do bem comum. Tal apenas se consegue quando da família à escola e à vida social aprendamos a concertar a legítima diversidade de opiniões com a finalidade comum do bem de todos.

No que à paz diz respeito, lembremos que ela é fruto da justiça, dando a cada um o que lhe é devido para viver e conviver dignamente. Isto mesmo a nível pessoal e também de grupos sociais, étnicos ou povos, todos com direito à respetiva identidade e autonomia.

Quanto ao desenvolvimento, lembremos que ele se ativa em cada pessoa, respeitada e atendida no que requer para ser livre, criativa e responsável nas diversas projeções do seu ser. Esta finalidade do desenvolvimento de todos e de cada um constitui o verdadeiro objetivo da ação política e não pode garantir-se quando ela encubra ambições de entidades ou grupos, económicos ou ideológicos, nacionais ou internacionais que sejam.

Neste momento comemorativo do “25 de Abril” também os quatro princípios permanentes da Doutrina Social da Igreja – dignidade da pessoa humana, bem comum, subsidiariedade e solidariedade – nos levarão a prosseguir na senda então aberta.

Fátima, 11 de abril de 2024

A 209.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), reunida em Fátima de 8 a 11 de abril de 2024, aprovou a nota pastoral “Sem a Eucaristia não podemos viver” por ocasião do 5.º Congresso Eucarístico Nacional.

«Toda a Igreja que peregrina em Portugal está convocada para este grande acontecimento eclesial que pretende reconhecer mais profundamente o mistério da Eucaristia e prestar-lhe um culto público nos laços da caridade evangelizadora. No Ano da Oração que estamos a viver, rumo ao Jubileu de 2025, podemos consolidar a arte de bem celebrar, o silêncio, a escuta, o canto, a música, a adoração e o maravilhamento da Eucaristia na sua nobre simplicidade e beleza», refere o comunicado da CEP onde é referida a congratulação com a presença do Cardeal José Tolentino de Mendonça enquanto Enviado Especial do Papa Francisco.

Sem a Eucaristia não podemos viver

Nota Pastoral por ocasião do 5.º Congresso Eucarístico Nacional

A propósito do 5.º Congresso Eucarístico Nacional a realizar-se em Braga, de 31 de maio a 2 de junho de 2024, sob o tema: «Partilhar o Pão, alimentar a Esperança. “Reconheceram-n’O ao partir o Pão” (Lc 24,35)», convidamos a todos a olhar a Eucaristia como o sacramento da Páscoa e a fonte esperançosa da salvação.

O congresso eucarístico nacional (www.congressoeucaristico.pt) é uma manifestação especial do culto eucarístico, considerado como uma “estação” para a qual a Conferência Episcopal Portuguesa convoca a Igreja que peregrina em Portugal, a fim de reconhecer mais profundamente o mistério da Eucaristia e lhe prestar um culto público nos laços da caridade evangelizadora.

Juntos, neste grande encontro eclesial, no Ano da Oração rumo ao Jubileu de 2025, podemos consolidar a arte de bem celebrar, o silêncio, a escuta, o canto, a música, a adoração e o maravilhamento da Eucaristia na sua nobre simplicidade e beleza.

1. Partilhar o pão, alimentar a esperança

Antes de «partir o pão», Cristo, «começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito» (Lc 24,27). No partir do pão é o próprio Cristo que é partido no pão da Eucaristia, da caridade, no encontro com os pobres, os mais vulneráveis, os mais frágeis e com todas as necessidades do mundo em que vivemos para que tenhamos este sentido de plenitude e sejamos capazes de, à luz das Escrituras, reconhecê-los em todas as pessoas e situações da comunidade neste tempo tão complexo e delicado.

O Papa Francisco pede a toda a Igreja uma cultura eucarística, onde se mostrem as atitudes da comunhão, do serviço e da misericórdia: «capaz de inspirar os homens e as mulheres de boa vontade nos âmbitos da caridade, da solidariedade, da paz, da família, do cuidado da criação» (discurso à plenária do Pontifício Comité para os Congressos Eucarísticos Internacionais, 10 de novembro de 2018).

O tema do caminho está sempre presente na evangelização. A fé dos discípulos nasce no caminho, que não é apenas geográfico, mas é espiritual e atravessa a desilusão, as dúvidas, o vazio, a desconfiança da sua peregrinação na história.

A alegria do primeiro e fundamental anúncio é sempre o mesmo: «“Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão» (Lc 24, 34-35). O caminho conduz-nos ao encontro com Jesus Cristo e com os outros, com a comunidade cristã e com aqueles a quem somos enviados a testemunhar com a vida, a fé que acreditamos e celebramos.

2. Reconhecer Jesus Cristo ao partir do pão

O texto de Emaús, segundo a narração lucana, atinge o seu vértice quando o desconhecido peregrino, ou melhor, Cristo peregrino que não reconheceram logo, sentando-se à mesa com os dois discípulos desiludidos com o fim trágico de Jesus de Nazaré, «tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no». Jesus Cristo, o Ressuscitado, manifesta-se vivo com o mesmo gesto de partir o pão, o grande gesto que realizou na noite da instituição da Eucaristia.

Por consequência, a celebração eucarística da ceia do Senhor deve ser o grande momento em que se mostra a alegria do reconhecimento («os seus olhos abriram-se e reconheceram-no») e da visão («vimos o Senhor», Jo 20,25). De facto, como se exprime na Oração Eucarística V, é grande a alegria de “ver” Jesus vivo: «sois verdadeiramente Santo e digno de glória, Deus, amigo dos homens, que sempre os acompanhais no seu caminho. Verdadeiramente bendito é o vosso Filho, que está presente no meio de nós quando nos reunimos no seu amor e, como outrora aos discípulos de Emaús, Ele nos explica o sentido da escritura e nos reparte o pão da vida», é grande a alegria de “ver” Jesus vivo. É a alegria da Páscoa que arde no coração.

3. O maravilhamento eucarístico

A experiência pascal é o paradigma cristão. Os discípulos foram fulminados de fora e tocados e feridos por dentro, a ponto de lhes arder o coração. «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» (Lc 24,32).

O Cristianismo fundamenta-se numa experiência tocante, qualificante, que muda gente desesperada em testemunhas de uma vida transformada. Redescobrir a santidade como vocação batismal é um convite para todos e não um privilégio para poucos. Este é um imperativo para todos e para cada um de nós, como exorta o autor da Carta aos Hebreus: «procurai a paz com todos e a santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor» (Heb 12,14).

A vida cristã só tem sentido como vida em Cristo. Deus é o Santo e, na sua santidade, somos chamados à mesma santidade de vida. Isto mesmo reza a Igreja na Liturgia: «Vós, Senhor, sois verdadeiramente Santo, sois a fonte de toda a santidade» (Oração Eucarística II). Deus é a vida dos Santos.

A celebração da Eucaristia prolonga-se na vida e na adoração eucarística com o culto eucarístico fora da Missa. Porque não promover em cada domingo a adoração eucarística comunitária nas nossas comunidades eclesiais? Porque não criar um lausperene eucarístico diocesano com todas as Paróquias e comunidades nas Unidades Pastorais?

De facto, «apenas na adoração, só diante do Senhor, é que recuperamos o gosto e a paixão pela evangelização. E, curiosamente, perdemos a oração de adoração; e todos, sacerdotes, bispos, consagradas, consagrados têm de a recuperar: recuperar aquele permanecer em silêncio diante do Senhor» (Papa Francisco, Lisboa, 2 de agosto de 2023).

4. O Domingo, Páscoa semanal

«Sine dominico non possumus!» Sem o Domingo do Senhor, sem o Dia do Senhor não podemos viver: assim responderam no ano 304 alguns cristãos de Abitínia, atual Tunísia, quando, surpreendidos na celebração eucarística dominical, que estava proibida. Eles foram conduzidos ante o juiz, que lhes perguntou por que, no Domingo, haviam celebrado a função religiosa cristã, sabendo que isso implicava castigo de morte. Não há Paróquia sem Domingo nem Domingo sem Paróquia.

A liturgia é o lugar do encontro com Jesus Cristo. De facto: «não nos basta ter uma vaga recordação da última Ceia: nós precisamos de estar presentes nessa Ceia, de poder ouvir a sua voz, de comer o seu Corpo e beber o seu Sangue: precisamos d’Ele. Na Eucaristia e em todos os sacramentos é-nos garantida a possibilidade de encontrar o Senhor Jesus e de ser alcançados pela potência da sua Páscoa» (Desiderio desideravi 11). É verdade que a Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja, segundo o dinamismo pascal.

Nas circunstâncias atuais, o Domingo como o dia do Senhor fica, muitas vezes, reduzido a um “fim de semana”. Por isso, é necessário redescobrir o seu sentido verdadeiro. Pois, se o Domingo deixar de ser um dia, no qual haja espaço para a oração, o repouso, a união e a alegria, pode acontecer que, como referiu São João Paulo II: «o homem permaneça encerrado num horizonte tão restrito, que já não lhe permite ver o ‘céu’. Então, mesmo bem-trajado, torna-se intimamente incapaz de ‘festejar’». Apesar de tudo, a Igreja vive fielmente este dia semanal da Palavra e da Eucaristia.

A feliz oportunidade do 5.º Congresso Eucarístico Nacional orienta-nos para a centralidade da Eucaristia e do Domingo: na valorização da celebração eucarística para que seja, efetivamente, um momento de encontro com Deus e com os irmãos; na participação ativa e no envolvimento de todos nas diferentes celebrações litúrgicas; na formação de todos os ministérios, serviços e carismas; na promoção do crescimento e do amadurecimento espiritual de cada um; na Paróquia, como casa e escola de oração com as portas abertas.

Em Emaús, no dia de Páscoa, os apóstolos reconheceram Jesus ressuscitado ao partir do pão. Só à luz da Páscoa podemos celebrar e viver a Eucaristia. A partir da Eucaristia a Igreja faz-se sinodal, samaritana e missionária, na sabedoria do coração “eucarístico” da Virgem Santa Maria e dos santos e santas.

Fátima, 11 de abril de 2024

Dos filhos e do caminho de Fé

Sou catequista dos pais do 3º ano do Centro da Marinha Grande, mas antes sou mãe de uma menina de 9 anos que quer comungar desde os seus 2 anos.

Claro que aos 2 anos não se sabe o que é comungar… apenas partilhou no silêncio da comunhão “Eu também quero uma bolacha”. Todos se riram de forma carinhosa.

Foi difícil e complicado explicar o porquê de não o poder fazer. Foram semanas de choro com “baba e ranho” durante o momento da comunhão nas celebrações por não poder participar dessa “bolacha”.

Com o tempo foi aprendendo na sua pequenez o significado e a sua importância. E ia ficando satisfeita por cruzar os braços e poder ir na fila e receber a benção naquele momento que só alguns podiam antes participar.

Com a entrada no 1º ano de catequese voltou a questionar se seria nesse momento. E com paciência e ajuda de catequistas e padrinho voltamos a explicar que teria de conhecer melhor Jesus.

Quando iniciou o 3º ano, começou a jornada para mim. Eu tinha em mente: prepara-la para compreender o mistério. Começou a aprender que já não era uma bolacha, era o Corpo de Cristo. O fazer parte da mesa com Jesus. Pobre de mim. Fui percebendo que o caminho se faz caminhando e o que era essencial era fazê-la compreender que aquele momento era essencialmente querer ser como Jesus e estar com Ele no seu coração.

No dia 23 de Março acordei com uma criança aos saltos na minha cama a gritar: “Hoje é o dia da minha primeira comunhão”. Neste dia, quis fazê-la sentir feliz e amada e os preparativos foram feitos com muito cuidado.

A celebração começou na rua com o Evangelho e a benção dos ramos. Ela levou a cruz (coisa de mãe… encheu-me o coração). A celebração em si, foi linda e sinto-me muito feliz e orgulhosa tanto dos meus pais, como das crianças que têm feito um percurso constante e curioso.

E chegou o momento. A confusão do momento que é normal, para o momento único e esperado pela Rita. Queria que ela se sentisse apoiada naquele momento. Acho que quem estava naquele circulo viveu uma alegria que não se explica. Ao chegar ao banco, deitou a língua fora e disse…. não gosto do sabor. Eu como mãe disse-lhe que agora não era esse o momento, mas sim de falar com o Jesus que estava com ela nesse momento. E assim o fez…

Depois foi o momento da Consagração a Nossa Senhora e foi aqui que quebrei. Os meus olhos encheram-se de lagrimas. Acho que é o momento em que se percebe que os filhos não são nossos mas do mundo… senti que estava a começar a sua missão.

Não sei o que seguirá, mas a Rita vive com alegria neste mundo novo onde pode comungar e ao mesmo tempo, acolitar. Será que ela compreende este mistério?

Eu como mãe, começo achar que está a começar uma coisa muito bonita.

Daniela Sousa
é catequista do grupo de pais do terceiro ano do centro da Marinha Grande

CAMINHO DE QUARESMA XIV

O caminho quaresmal é também um caminho de esperança.
Abrimo-nos ao Espírito Santo para que Ele faça o caminho connosco, ou melhor, para que Ele nos guie no caminho.
E com Ele esperamos perceber melhor as nossas fraquezas, as nossas faltas, para nos podermos emendar, confiando e esperando sempre o perdão de Deus.
A esperança não é passiva mas activa.
Não é ficar sentado à espera do prometido, mas fazer caminho de esperança para viver na esperança do que já nos foi alcançado em Jesus Cristo.
A esperança não afasta de nós as tribulações e contrariedades, mas faz-nos enfrentá-las e vencê-las, aumentado a própria esperança de alcançarmos a vida em Cristo.
A esperança não é isenta de fundamento.
É alicerçada na fé, que nos leva à confiança em Cristo que assim nos enche de esperança.
A esperança não é para depois, é já e agora, e torna-se presente à medida que o bem que esperamos, vai acontecendo em nós e nos outros.
A esperança é vida.
Quem pode viver sem esperança?
A esperança constrói, une, exorta, alegra, dá vida para além da vida.
A esperança cristã é uma esperança presente, que se realiza agora já e se completa depois na vida eterna.
A esperança é a seiva da vida cristã!

Senhor, sabes como tantas vezes não me entrego, não confio, não me deixo conduzir por Ti.
Por isso mesmo, tantas vezes, a minha esperança é fraca, é apenas um momento e não a Tua vida em mim. Aumenta em mim, Senhor, a fé, que leva à confiança que nos enche de esperança.
Amen.


Joaquim M. Alves

Conversão pelo Cardeal Raniero Cantalamessa

A palavra de hoje a acolher é aquela que Jesus dirigiu à adúltera, depois que os seus acusadores foram embora: "Mulher, ninguém te condenou?" "Ninguém, Senhor." "Eu também não te condeno. E a partir de agora, não peques mais!". Cada um de nós, se examinar bem, perceberá que, ao lado dos muitos pecados que comete, há um diferente dos outros. Trata-se daquele pecado ao qual se é secretamente um pouco apegado, que se confessa, mas sem uma real vontade de dizer "chega!".

 Santo Agostinho, nas Confissões, nos descreve a sua luta para se libertar do pecado da sensualidade. Houve um momento em que rezava a Deus, dizendo: "Concede-me castidade e continência". Porém, uma voz acrescentava: "Não imediatamente, Senhor!".

Chegou o momento em que ele gritou para si mesmo: "Por que amanhã", amanhã? que em latim se diz "cras". Por que este corvo que diz "cras"? Por que não agora? Foi suficiente que dissesse este "chega!" para se sentir livre. Que se deve fazer concretamente?

Colocar-se por um instante na presença de Deus e dizer-Lhe: "Senhor, tu conheces bem a minha fragilidade. Confiando por isso unicamente na tua graça, eu te digo que, a partir de agora, quero dizer "chega" daquela satisfação, daquela liberdade, daquela amizade, daquele rancor, daquele subterfúgio financeiro, enfim, chega daquele pecado que eu e Tu conhecemos bem".

Venho para receber o teu perdão sacramental.
Você poderá talvez recair. Poderemos talvez recair mais tarde, mas para Deus algo mudou: a sua liberdade se aliou a Ele. Vocês estão juntos agora a lutar contra o mesmo inimigo. Você verá quanto é mais belo viver livre da escravidão do pecado, em paz com Deus e consigo mesmo!

 

Cardeal Cantalamessa

Fevereiro de 2024

A confissão pelo Papa Francisco

A confissão é um "sacramento da alegria", na verdade uma "festa", no Céu e na terra. Na terça-feira, 14 de setembro, no Estádio de Košice, era como se o Papa Francisco olhasse nos olhos de cada um dos jovens que o acolheram, para convidá-los a viver o Sacramento da Penitência de uma nova maneira. E o que o Sucessor de Pedro lhes disse foi um conforto não só para os presentes, mas para todos os que acompanharam aquele encontro pela televisão ou pela internet, ou apenas leram o discurso papal.

Não é o sacramento, pouco frequentado nestes dias, que mudou. O que Francisco propôs foi uma visão completamente diferente da confissão em comparação com a experiência de tantos cristãos e a um certo legado histórico.

Em primeiro lugar, o Papa indicou no sacramento "o remédio" para os momentos da vida em que "estamos para baixo". E à pergunta de uma jovem, Petra, que lhe perguntou como seus coetâneos poderiam "superar os obstáculos no caminho para a misericórdia de Deus", ele respondeu com outra pergunta: "Se eu lhes perguntar: o que vocês pensam quando vão se confessar? Estou quase certo da resposta: nos pecados. Mas os pecados são realmente o centro da confissão? Deus quer que você se aproxime dele pensando em você, nos seus pecados ou Nele?"

"A maneira cristã", disse Francisco dois dias antes, em Budapeste, "começa com um passo atrás, com o retirar-se do centro da vida para dar lugar a Deus. Este mesmo critério, esta mesma perspectiva aplicada à confissão pode provocar uma pequena-grande revolução copernicana na vida de cada um: no centro do Sacramento da Penitência não estou mais eu, humilhado com uma lista de pecados - talvez sempre os mesmos - para serem recontados com dificuldade ao sacerdote. No centro está o encontro com Deus que acolhe, abraça, perdoa e eleva.

"Não se vai à confissão", explicou o Papa aos jovens, "como pessoas castigadas que têm que se humilhar, mas como filhos que correm para receber o abraço do Pai. E o Pai nos levanta em cada situação, nos perdoa cada pecado. Ouçam bem isto: Deus sempre perdoa! Vocês entenderam? Deus sempre perdoa". Não se vai a um juiz para acertar contas, mas "a Jesus que me ama e me cura".

Francisco aconselhou os sacerdotes a "sentirem-se" no lugar de Deus: "Que se sintam no lugar de Deus Pai que sempre perdoa, abraça e acolhe. Damos a Deus o primeiro lugar na confissão. Se Deus, se Ele é o protagonista, tudo se torna belo e a confissão se torna o Sacramento da alegria. Sim, da alegria: não do medo e do julgamento, mas da alegria".

O novo olhar sobre o sacramento da penitência proposto pelo Papa pede para não permanecer prisioneiros da vergonha dos próprios pecados - vergonha que "é uma coisa boa" - mas a superá-la porque "Deus não se envergonha de você. Ele o ama bem ali, onde você tem vergonha de si mesmo. Ele o ama sempre". Para aqueles que ainda não conseguem se perdoar acreditando que nem mesmo Deus pode fazê-lo "porque eu sempre cairei nos mesmos pecados", Francisco diz: "Quando Deus se ofende? Quando você vai pedir-lhe perdão? Não, nunca. Deus sofre quando pensamos que Ele não pode nos perdoar, porque é como dizer a Ele: 'Você é fraco no amor'... Mas Deus se regozija em nos perdoar, toda vez. Quando ele nos levanta, ele acredita em nós como fez da primeira vez, não se desanima. Somos nós que nos desanimamos, Ele não. Ele não vê pecadores para rotular, mas filhos para amar. Ele não vê pessoas erradas, mas filhos amados; talvez feridos, e então Ele tem ainda mais compaixão e ternura. Toda vez que nos confessamos - nunca nos esqueçamos disso – há festa no céu. Que seja o mesmo na terra!" Da vergonha à festa, da humilhação à alegria. Não é o Papa Francisco, mas o Evangelho, onde se lê sobre o pai que espera ansiosamente o filho pecador, continuamente examinando o horizonte, e mesmo antes que ele tenha tempo de se humilhar, detalhando meticulosamente todos os seus pecados, Ele o abraça, o levanta e faz festa com ele e para ele.

 Papa Francisco

Penitência, por S. Josemaria Escrivá

Consideremos de novo, nesta Quaresma, que o cristão não pode ser superficial. Plenamente mergulhado no seu trabalho diário entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão, o cristão tem que estar ao mesmo tempo totalmente mergulhado em Deus, porque é filho de Deus (...)

Tempo de penitência, portanto. Mas, como vimos, não é uma tarefa negativa. A Quaresma deve ser vivida com o espírito de filiação que Cristo nos comunicou e que palpita em nossa alma. O Senhor chama-nos para que nos aproximemos d'Ele: Sede imitadores de Deus, como filhos muito queridos, colaborando humildemente, mas fervorosamente, com o divino propósito de unir o que se quebrou, de salvar o que se perdeu, de ordenar o que o homem pecador desordenou, de reconduzir o que se extraviou, de restabelecer a divina concórdia em toda a criação.

Procuras tomar já as tuas resoluções de propósitos sinceros?
Pede ao Senhor que te ajude a contrariar-te por seu amor; a pôr em tudo, com naturalidade, o aroma purificador da mortificação; a gastar-te no seu serviço, sem espetáculo, silenciosamente, como se consome a lamparina que tremeluz junto do Tabernáculo. E para o caso de agora não te ocorrer como corresponder concretamente às solicitações divinas que te batem à porta do coração, escuta-me bem.

Penitência é o cumprimento exato do horário que marcaste, ainda que o corpo resista ou a mente pretenda evadir-se em sonhos quiméricos. Penitência é levantar-se na hora. E também não deixar para mais tarde, sem um motivo justificado, essa tarefa que te é mais difícil ou trabalhosa.

A penitência está em saberes compaginar todas as tuas obrigações - com Deus, com os outros e contigo próprio -, sendo exigente contigo de modo que consigas encontrar o tempo de que cada coisa necessita. És penitente quando te submetes amorosamente ao teu plano de oração, apesar de estares esgotado, sem vontade ou frio.

Penitência é tratar sempre com a máxima caridade os outros, começando pelos da tua própria casa.
É atender com a maior delicadeza os que sofrem, os doentes, os que padecem.
É responder com paciência aos maçantes e inoportunos.
É interromper ou modificar os programas pessoais, quando as circunstâncias - sobretudo os interesses bons e justos dos outros - assim o requerem.

A penitência consiste em suportar com bom humor as mil pequenas contrariedades da jornada; em não abandonares a tua ocupação, ainda que de momento te tenha passado o gosto com que a começaste; em comer com agradecimento o que nos servem, sem importunar ninguém com caprichos.

Penitência, para os pais e, em geral, para os que têm uma missão de governo ou educativa, é corrigir quando é preciso fazê-lo, de acordo com a natureza do erro e com as condições de quem necessita dessa ajuda, sem fazer caso de subjetivismos néscios e sentimentais.

O espírito de penitência leva a não nos apegarmos desordenadamente a esse bosquejo monumental de projetos futuros, em que já previmos quais serão os nossos traços e pinceladas mestras. Que alegria damos a Deus quando sabemos renunciar às nossas garatujas e broxadas de mestrinho, e permitimos que seja Ele a acrescentar os traços e as cores que mais lhe agradem!

 S. Josemaria Escrivá

Chegaram os dias da penitência!

Este é um tempo favorável para podermos procurar dentro de nós a vontade de Deus e aferirmos como vivemos a Fé que afirmamos professar.
Entremos dentro de nós e peçamos que a nossa consciência seja iluminada pelo Espírito Santo.
Não queiramos ser nós a “aconselhar” a nossa consciência, mas deixemos que seja ela, “livre das nossas certezas”, a aconselhar-nos, mostrando-nos o caminho da vontade de Deus.
Temos tantas certezas! Temos tantas convicções! Temos tanto convencimento de que nos conhecemos!
E afinal, caímos, voltamos a cair, procurando na nossa vontade a vontade de Deus.

Chegaram os dias da penitência!

Não a penitência como um castigo ou uma tristeza inabalável, mas a penitência que nos afirma que Deus está connosco e nos quer revelar em cada momento a sua vontade para a vida que nos deu.
Se nos vestimos de saco, se colocamos cinzas na cabeça, façamo-lo com o sorriso sereno, provocado pela tranquila alegria de sabermos que Ele já nos salvou.
Lembremo-nos sempre que a vontade de Deus é a nossa felicidade.

Chegaram os dias da penitência!

Não queiramos mudar tudo de uma só vez.

Não comecemos pelas faltas grandes, porque dessas temos nós consciência plena de que as devemos mudar.
Comecemos antes pelas mais pequenas, aquelas que nos perseguem todos os dias, aquelas que mais vezes repetimos na Confissão, aquelas em que caímos já tão rotineiramente, que delas só nos apercebemos quando chega o tempo do exame de consciência.

E lembremo-nos que sozinhos nada somos, sozinhos nada conseguimos, só com Ele, no amor do Pai, iluminados pelo Espírito Santo, em Igreja, conseguiremos mudar o que precisa ser mudado, primeiro em nós, e depois dando testemunho no dia a dia, nos outros também.

E se mudarmos o “pequeno”, então o “grande” será mudado também!

 Chegaram os dias da penitência!

 Louvado seja o Senhor!

Marinha Grande, 18 de Fevereiro de 2015

Joaquim Mexia Alves

A propósito das crianças pequenas na Missa.

“Deixai vir a mim as crianças” Mt 19, 14

Há toda uma leitura mais alargada acerca do que Jesus quis dizer com esta frase, mas a imagem fala por si mesma: a predilecção pelos pequenos e humildes e a certeza de que todos são bem vindos.

A questão do comportamento das crianças mais pequenas, bebés e miúdos e alguns mais graúdos, é tema recorrente. Aqui na Marinha Grande procuramos que todos se sintam bem e acolhidos, mesmo os “guinchões”. Reconhecendo eu que por vezes é difícil manter a concentração, que ninguém se sinta impedido de estar na Eucaristia. Temos repetido várias vezes.

Voltou a ser tema numa catequese, onde alguns pais manifestaram não só a “vergonha” e a dificuldade de manter os meninos quietos, mas também um certo desconforto por sentirem que estão a perturbar a assembleia.

Pessoalmente a mim, pároco, e ao vigário paroquial, incomodam os olhares de lado e de repreensão.

Há limites? Claro! Não esboçar uma tentativa mínima ou ignorar a situação nem sequer é educativo e pode ajudar a fazer crescer um ditadorzinho!

Partilhamos um texto que nos parece apropriado. Queremos pais participantes e que sintam que podem participar, mesmo e apesar das suas lutas.

Recordo um provérbio africano que diz que é preciso uma aldeia para educar uma criança, não será essa uma missão nobre da nossa comunidade?

Pe. Patrício Oliveira
Pe. Jorge Fernandes

Havia uma criança no banco da frente, e a pequena não parava quieta um instante sequer! Era Missa; e a frutuosa participação no Sacrifício de Cristo exige algumas disposições interiores de ordinário avessas à distração inevitavelmente provocada por uma criança irrequieta. Em poucas palavras, a gente precisa se concentrar pra rezar direito, e é difícil concentrar-se com uma criança chamando a sua atenção o tempo todo…

Lembrei-me de que “o problema” das crianças na Missa já fora abordado de um sem-número de maneiras. Há quem defenda que elas sejam simplesmente deixadas em casa. Há quem pugne pelo oferecimento de uma estrutura paroquial – uma salinha separada, a “acolhida das crianças” – para “tomar conta” dos pequenos enquanto os seus pais assistem à Missa. Há quem diga que os pais devem se impôr mesmo e fazer as crianças ficarem quietas, retirando-as do recinto sagrado se necessário for. Domingo, havia uma criança no banco da frente, e eu me peguei a pensar no assunto. E, curiosamente, a solução a que cheguei foi esta: é preciso deixar as crianças serem crianças. E deixar os pais serem pais.

A menina – era já um pouco grandinha, não sei, três anos… – olhava para tudo ao redor, com aquela curiosidade própria de quem tem um mundo inteiro a desbravar. Subia no banco. Descia do banco. Abraçava o pai. Segurava a mãe. Tinha uma voz estridente, de cujo volume as convenções sociais ainda não tivera tempo de aprender. Pegava o papel. Derrubava o papel. Ia de um lado para outro, para o braço de um e de outro. Olhava, sorria. Desinteressava-se. Falava. Ensaiava um choro. Um momento houve até em que, em pé no banco, começou a pisar forte e ritmadamente – com o insofismável fito de fazer barulho. (Neste instante, aliás, o pai a pegou no braço. E ela não fez escândalo. Em momento algum ela fez escândalo.)

Pela descrição, parece até que a igreja estava a ponto de vir abaixo; dir-se-ia um verdadeiro pandemônio instaurado no templo santo de Deus. Houve até um momento em que eu próprio olhei para a criança e me perguntei se não haveria algum fenômeno preternatural a explicar aquele incansável empenho infantil em roubar do Altar a atenção dos fiéis. Mas, na verdade, a impressão agora é ilusória, como o fora no decorrer da Missa. A criança não atrapalhava a celebração mais do que outras coisas com as quais a Igreja sempre conviveu – e é bom que conviva.

Li, há anos, em não me lembro agora qual historiador, uma descrição de uma provável Missa celebrada em um típico vilarejo medieval. Não havia os bancos que hoje nos acostumamos a encontrar, a fim de organizar os fiéis que se reúnem para a assistência do Santo Sacrifício; o espaço aberto da nave ocupava-se de maneira natural, orgânica, à medida que os católicos fossem chegando e na proporção do seu fervor religioso na ocasião. O povo também não se pejava de adentrar o templo do modo como se encontrasse; às vezes carregando um saco de frutas a vender na feira, ou dois patos adquiridos no caminho e que iriam servir de alimento à família. O ápice da Missa era – como ainda é – a Consagração; assim, no instante em que o sacerdote elevava a Hóstia Consagrada por cima de sua cabeça, todos se acotovelavam para, acima dos ombros uns dos outros, vislumbrar – por um instante fugaz que fosse – o Santíssimo Sacramento. E, imaginando as penas voando, o grasnar dos patos, a melancia espatifando-se no chão e um monte de gente se empurrando para ver melhor (que os outros) o altar… aquela criança no banco da frente da Missa de domingo passado parecia-me transmitir uma quietude elísia.

O quadro, dirão, é “pouco piedoso”. Ora, mas é claro que é pouco piedoso; é um quadro que retrata todas as mazelas e defeitos dos seres humanos de carne e osso para cuja salvação existe a Igreja! Mas não se trata sempre de pouco zelo; às vezes, há circunstâncias pessoais bem razoáveis a justificar certos comportamentos dos fiéis. E para as encontrar não é preciso retroceder a nenhum obscuro vilarejo medieval; basta pensar, por exemplo, nas missas celebradas em campanha. Ou alguém acha que em Iwo Jima não havia soldados fazendo a guarda, olhares apreensivos para todos os lados, tiroteios e ribombos de canhões ao fundo, essas coisas que costumam acontecer nas guerras?

Tampouco é preciso ir à guerra; vá-se a uma festa popular de maior monta. Aqui, em Recife, fui recentemente (como o disse) à de Nossa Senhora no Carmo. E havia crianças comendo, e gente mexendo no celular, e empurra-empurra na nave central (da qual, em talvez involuntária homenagem ao vilarejo medieval que referi acima, haviam retirado os bancos), e guardas-chuvas e capas pingando (sim, chovia lá fora), e pessoas chegando e saindo o tempo inteiro. Perto disso, repita-se mais uma vez, a criança no banco da frente da Missa de domingo passado transparecia a placidez de um mosteiro cartuxo.

O ponto, em suma, é o seguinte: não nos deve surpreender que a assistência à Missa revista-se dos elementos naturais da vida social. Mais até: quanto mais fortes forem esses elementos, mais isso significa que a religião está entranhada no dia-a-dia das pessoas, mais as pessoas a vêem com familiaridade. Atenção, que não se está aqui falando nada de Liturgia! A Liturgia é para ser sempre impecável, é evidente, como convém ser o culto prestado ao Deus Todo-Poderoso. Mas a forma como as pessoas assistem a este culto pode, sim, adquirir os rasgos de espontaneidade não-institucional que sejam socialmente aceitáveis e razoavelmente justificáveis. E é até bonito que assim se faça; chega a ser um testemunho da vitalidade do Evangelho, ao qual se curvam as necessidades sociais. Falo, por exemplo, de pessoas entrando e saindo da igreja durante a Missa, aproveitando o intervalo do horário de trabalho para assistir, se não a celebração inteira, ao menos o pedaço que conseguem. Falo de militares de serviço assistindo à missa de farda camuflada, quepe às costas. Falo de doentes tossindo. E, claro, falo de mães embalando seus filhos, ou retirando-se para lhes trocar as fraldas, e falo de crianças correndo e gritando.

Dir-me-ão que essas coisas são muito diferentes, e que nada tem a ver uma guerra com um feirante, ou com um pedreiro sujo de cimento, ou com uma criança mal-comportada. Eu digo que todas essas coisas têm muito mais em comum entre si do que parece à primeira vista: são, todas elas, exemplos de seres humanos tentando conciliar os seus deveres de estado com a prática religiosa. Assim como o soldado deve combater, e isso talvez lhe exija prestar atenção nos arredores do acampamento mesmo durante a celebração da Missa, assim o trabalhador deve prover ao sustento da sua família – e isso talvez lhe exija levar à igreja os seus instrumentos de trabalho. Isto é um sinal de que a sociedade anda sadia e está ordenada; é um indício de que, apesar de tudo, as coisas estão indo bem.

Mas um soldado não é a sua patente e, um feirante ou pedreiro, não é o seu comércio ou sua construção civil.Uma mãe, contudo, é indissociável da sua maternidade. O soldado tem o seu dia de folga, onde ele não exerce o serviço de militar; um pai, contudo, não dispõe de um instante sequer onde esteja dispensado de seus serviços paternos. Nem aos domingos. Nem na igreja.

Uma família com crianças é uma campanha militar permanente. E se deixamos sem maiores olhares de censura os soldados (ou os policiais, ou os médicos, ou os bombeiros) assistirem às nossas missas, mesmo que estejam fardados, mesmo que o rádio que levam à cintura possa eventualmente tocar, mesmo que precisem sair às pressas da celebração; se os deixamos e, ainda, sentimo-nos gratos porque eles protegem as pessoas, salvam vidas, cuidam de nós, e é bom tê-los por perto; se, até mesmo!, olhamos com admiração para essas pessoas que, no meio do serviço, fazem malabarismos para conciliar os seus deveres com algum tempo de oração e de agradecimento a Deus; por qual razão censuraríamos as famílias que vão à missa fardadas com bolsas e fraudas, e carrinhos de bebê, e mamadeiras?, e por qual motivo não agradeceríamos àqueles que, mesmo durante a Missa, não descuidam do cuidado dos seus filhos, que outra coisa não é que o cuidado com o nosso futuro?, e por quê, em suma, não olhamos com admiração e reconhecimento para estas pessoas que, sem descuidar de seus deveres, mesmo a serviço, desdobram-se para dedicar um pouco de tempo à vida de oração e aos seus deveres públicos para com Deus?

A menina no banco da frente da Igreja era uma criança. E isso significava três coisas: primeiro, que ainda há crianças no mundo, graças a Deus; segundo, que os seus pais não as deixam de lado para estar na Igreja; e, terceiro, que eles tampouco deixavam a Igreja para cuidar de suas crianças. Foi o que eu percebi no domingo passado; e, perto disso, qualquer distração que a sua presença pudesse provocar era de pouca monta. Que Deus nos conceda igrejas repletas de crianças! Conviver com elas, afinal de contas, é um excelente sinal de que as coisas – graças a Deus! – ainda andam bem no mundo.

De onde me é dado?

A expressão deste título, que nos evoca de imediato a figura de Santa Isabel, esposa de Zacarias, poderia muito bem ser dita: “Como é que é possível?…” ou, “não sou merecedora…” Poderia também dizer-se, de forma mais prosaica, “Não consigo acreditar no que estou a ver!…”

Aquela expressão traduz o espanto, a surpresa e a admiração de Isabel por estar a viver um momento que nunca esperava viesse a acontecer e de que tem a percepção nítida de ser único e transcendente. Não o consegue abarcar totalmente, mas fá-la experimentar uma alegria superior à que tivera 6 meses antes, ao sentir-se grávida na sua velhice, alegria que ela certamente julgava não ser possível ultrapassar.

O espanto, a surpresa e a admiração serão igualmente os sentimentos manifestados mais tarde por João Baptista, gerado por Isabel, quando vê aproximar-se Jesus, gerado por Maria, que lhe pede para realizar n’Ele o gesto do arrependimento e da conversão que fazia com as multidões. Surpreendido e admirado, procurando evitar que isso acontecesse, afirma “Donde me é dado?…” com a utilização de outras palavras: “Eu é que preciso de ser baptizado por ti, e tu vens a mim?”

O espanto, a surpresa e a admiração estarão igualmente presentes nas palavras de Zaqueu quando Jesus vai ter com ele e lhe diz que quer entrar e ficar em sua casa. Esses sentimentos de Zaqueu acontecem porque se acha indigno e certamente ter-se-á questionado: “Donde me é dado?…”

Estes episódios, como todos os outros narrados no Evangelho, têm traços comuns entre eles.

É Jesus quem vai ao encontro das pessoas, directa ou indirectamente, causando perplexidade em quem O acolhe, associada a um sentimento de não se ser digno e que causa uma alegria inimaginável antes.

Existe em todas as pessoas de quem Jesus se aproxima uma disponibilidade interior para O acolher e o desejo de serem por Ele encontrados e acolhidos.

Maria, levando Jesus consigo, vai ao encontro de Isabel e esta, com João presente no seu seio, exulta de alegria e, pela acção do Espírito Santo, pressente os sinais da presença de Deus, não se achando merecedora.

Jesus vai ao encontro de João e este, por inspiração interior do Espírito Santo, manifesta a sua pequenez face ao Divino Mestre, não se achando merecedor.

Zaqueu, sedento de Deus para a sua vida, disponível para a acção do Espírito Santo, manifesta a sua alegria no compromisso de acções concretas que irá fazer, por causa do desejo manifestado por Jesus de ser parte da sua vida.
Existem em todos os episódios dois movimentos: o de Jesus e o de cada uma das pessoas.
Sabemos que Jesus vem sempre ao nosso encontro.

Então, cada um de nós é convidado também a ser uma dessas pessoas que o Evangelho relata.
A disponibilidade interior, a sede de Deus, a procura de sentido para a existência, são atitudes que colocam cada um de nós num processo constante de Advento. Um advento pessoal que espera, que anseia, que acolhe e exulta quando encontra o Senhor.
A consciência pessoal que nos diz “Senhor, eu não sou digno que entreis na minha morada!”, a abertura contínua à acção do Espírito Santo, a percepção de que temos a possibilidade de um encontro com Jesus em qualquer ocasião, levam-nos viver num estado contínuo de Advento, cheios de esperança, de expectativa, sedentos de Deus.
A alegria do encontro com o Senhor, aquela alegria interior e profunda que advém do encontro com o transcendente, com o divino, com o Verbo incarnado é indissociável da esperança, da expectativa, da sede de Deus que devemos alimentar e que nos levará a exclamar também: “Donde me é dado?…”

Fernando Brites

CONTO DE NATAL 2023 

Sentada no cadeirão do lar onde passava os longos dias da sua velhice, sonhava acordada vendo os seus filhos entrarem pela porta daquela sala para lhe darem um beijo de Boas Festas pelo Natal.

Olhava para as suas companheiras e companheiros pensando que alguns deles, coitados, não teriam filhos que os viessem beijar e desejar bom Natal.

Verdade seja dita, pensou ela, que há muito tempo os seus filhos não a vinham visitar, mas o seu coração de mãe, cheio de amor, ia encontrando desculpas para eles não a visitarem.

Coitadas das suas “meninas” e “meninos”, com certeza atarefados nas suas vidas de trabalho, de família, já com filhas e filhos a criar e que, por isso, não teriam tempo para a visitar.

Sorriu ao lembrar-se das suas netas e netos que há tanto tempo já não via e até lhe parecia, (a sua memória já não era muito fidedigna), que talvez houvesse alguns que ainda não conhecia.

Os seus olhos doces encheram-se de lágrimas suaves quando se lembrou da sua antiga casa e do Natal, ainda com o seu homem e aquelas seis filhas e filhos que Deus lhes tinha dado ao redor da mesa, numa algazarra alegre e bem disposta.

Que saudades lhe vieram ao coração ao lembrar-se de todos esses Natais onde se percebia bem como a família ia crescendo sem parar.

Fechou os olhos e numa prece a Deus, pediu por todos eles e também, (embora com algum receio que estivesse a pedir demais), que o Menino Jesus lhe concedesse a alegria de viver esses Natais tão realmente quanto possível.

Regressou à realidade do lar e da sala onde se encontrava, respondeu qualquer coisa, sem pensar, a uma qualquer pergunta da companheira do lado, olhou para o grande calendário pendurado na parede, (também não era preciso ser tão grande, até parece que ali estava para contarem os dias que lhes faltavam para partir definitivamente!!!), e viu que era dia 24 de Dezembro pelo que, pensou ela quase num sonho, ainda havia tempo para a família a vir visitar.

A tarde chegava ao fim e ela, resignadamente, olhou para o crucifixo pendurado na parede e para o pequeno presépio colocado numa mesa de canto, e rezou baixinho:

Obrigado Jesus porque quiseste nascer para nós, quiseste ser igual a nós e até morrer por nós, para nos salvar.

Olha por todos os meus e dá-lhes tanta felicidade como me deste a mim, até mais, eu Te peço, e não deixes que nunca se sintam sós.

Perdoa por me sentir nestes momentos tão só, tão desamparada, mas olha, Jesus, coloco estes momentos na Tua Cruz, dou-tos como presentes no Teu Presépio, oferecendo-os pela conversão, felicidade e salvação de todos os meus.

Aquela oração trouxe uma paz e uma alegria serena ao seu coração e ela sorrindo, pensou: Sou tão feliz por ter Jesus comigo!

Foi nessa altura que a porta da sala se abriu e o seu filho mais velho entrou e chegando a ela beijou-a com toda a ternura dizendo-lhe: Anda, mãe, a empregada do lar já está a fazer-te uma pequena mala para vires jantar e passar a noite de Natal a nossa casa!

Ela nem sabia o que dizer e as lágrimas inundaram-lhe a cara.

À porta de casa do seu filho, depois de sair do carro, beijou-o novamente e de mão dada com ele entrou em sua casa, que afinal era a mesma casa que tinha sido sua.

Ao chegar à sala da casa, ficou completamente rendida à alegria, à saudade, a algo tão inexplicável que parecia lhe “rebentava” qualquer coisa no seu coração.

Ali, naquela sala de tantas memórias, estavam todas as suas filhas e filhos com as suas famílias, que a rodearam e cobriram de beijos e abraços.

Ia jurar que a um canto da sala estava o seu querido marido sorrindo para ela de felicidade.

Fechou os olhos e rezou: Obrigado Jesus, porque me ouviste e agora me fazes viver novamente o Natal de sempre!

 

Marinha Grande, 18 de Dezembro de 2023

Joaquim Mexia Alves

A propósito da Reconciliação e da confissão

Reconciliação ou confissão?

O perdão e a reconciliação são sinais de amor! Quando ferimos ou somos feridos por alguém que amamos verdadeiramente, não nos sentimos impacientes por nos reconciliarmos com ele? Não esperamos ansiosamente por ouvir dizer que nos perdoa ou, no caso de sermos nós os autores da ofensa, de lhe pedir perdão e de dizer que o amor e a confiança continuam? Até podemos estar convencidos, mesmo sem nada dizer ou sem nada fazer, que o amor entre vós permanece, mas como são reconfortantes as palavras ou os gestos de cumplicidade ou de ternura que vão confirmar o perdão!

Deus é Amor e como é de amor que se trata quando nos referimos ao perdão dos pecados, acontece o mesmo quando ferimos o Amor de Deus. É verdade que Deus nos perdoa sempre que desejamos o seu perdão; é verdade que Ele não tem necessidade de passar por um homem para nos perdoar… somos nós que temos necessidade dum gesto concreto, duma palavra pronunciada pelo ministro da Igreja que nos restaure na alegria e na confiança reencontrada. Este gesto, esta palavra, é o sacramento da reconciliação (ou da penitência, ou do perdão dos pecados, ou a confissão, segundo as palavras que se escolhem).

Porque me devo confessar?

 Ficamos muitas vezes divididos quando falamos deste sacramento do perdão dos pecados. Actualmente, o homem contemporâneo perdeu a noção ou o sentido profundo do pecado, a palavra evoca o moralismo que dá lições, a autoridade que esmaga a consciência individual e absoluta do homem. Na verdade, a noção de pecado parece hoje opor-se ao respeito pela liberdade humana e ao desabrochar da personalidade. O sentimento de culpa aparece como o resultado maléfico de tabus inconscientes.

No Evangelho, o pecado é visto a partir da iniciativa divina que vem manifestar aos homens a sua misericórdia. Jesus apela constantemente à conversão do homem como condição fundamental para acolher a Boa Nova do Reino (cf. Mc 1, 15), e na sua acção privilegia os pecadores, porque ele não veio para os sãos mas para os pecadores, para os que estão doentes. É por isso mesmo que Ele perdoa ao paralítico (Mc 2, 5), à mulher pecadora (Lc 7, 48), à mulher adúltera (Jo 8, 11), a Zaqueu (Lc 19, 9-10), e finalmente, na Cruz aos seus algozes (Lc 23, 34).

Podemos contemplar a misericórdia de Deus nas parábolas da ovelha perdida ou do filho pródigo (Lc 15) e a gravidade do pecado no facto de Jesus ter afirmado, na Última Ceia, que o seu sangue seria derramado pela remissão (perdão) dos pecados dos discípulos e de todos os homens. O pecado é uma falta de amor que atinge a relação entre o homem e o próprio Deus e por isso reconhecemo-nos pecadores não apenas quando olhamos para nós, mas sobretudo quando nos deixamos olhar por Deus e experimentamos o amor que Ele nos tem.

 Em que consiste o Sacramento da Penitência?

O Sacramento da Penitência, ou confissão, é constituído pelo conjunto de três actos da parte do penitente e pela absolvição por parte do sacerdote. Os actos do penitente são: 1º - o arrependimento dos pecados, ou CONTRIÇÃO; 2º - a CONFISSÃO ou acusação dos pecados ao sacerdote; 3º - o propósito de cumprir a penitência e as obras de REPARAÇÃO. Só os sacerdotes que receberam da autoridade da Igreja a faculdade de absolver, podem perdoar os pecados em nome de Cristo (cf. Catecismo da Igreja católica, 1491-1495).

Aquele que quer obter a reconciliação com Deus e com a Igreja deve confessar ao sacerdote todos os pecados graves que ainda não tiver confessado e de que se lembre, depois de ter examinado cuidadosamente a sua consciência. A confissão das faltas veniais, sem ser, em si, necessária, é, todavia, vivamente recomendada pela Igreja (cf. Catecismo da Igreja católica, 1493).

 

Porquê a necessidade de um Sacerdote?

É uma questão muito frequente. Se Deus nos conhece, não bastaria pedir-lhe perdão pessoalmente, sem recorrer à mediação da Igreja? Não posso simplesmente elevar os olhos para o Céu e pedir perdão a Deus? Na verdade, Jesus quis dar à sua Igreja a missão de perdoar os pecados em seu nome. Jesus prometeu a Pedro e aos Apóstolos o poder de “ligar e desligar” (Mt 16, 19), ou seja, de condenar ou de absolver. Após a Ressurreição, logo que apareceu aos seus discípulos, soprou sobre eles o Espírito Santo e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem vós os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 23). Jesus confere assim aos seus discípulos o poder de perdoar os pecados em seu nome e é por isso que o encontro entre o padre e o penitente exprime o encontro pessoal do pecador com Deus.

 

Algumas passagens Bíblicas sobre o perdão de Deus.

- “O Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados” – Jesus disse ao paralítico: “Homem, os teus pecados estão perdoados”. Os escribas e os fariseus começaram a murmurar, dizendo: “Quem é Este que diz blasfémias? Ninguém pode perdoar os pecados, senão Deus somente”. Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-lhes: “(…) o Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados”. (Lc 5, 20-22.24).

- “Àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” – Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando aos discípulos em casa com as portas fechadas (…) soprou sobre eles, e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos” (Jo 20, 19.22-23).

- “Se confessarmos os nossos pecados. Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados” – Se dissermos que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele que é fiel e justo para nos purificar de toda a iniquidade (…). Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecou, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1Jo 1, 8-9; 2,1).

- “Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não precisam de se arrepender” (Lc 15, 7).

 

Como confessar os pecados?

Normalmente começa-se por preparar a confissão fazendo o exame de consciência e pensando nos pecados que cometemos. Mas é necessário, anteriormente, colocar-se diante de Deus, da Sua Palavra, lendo uma passagem da Escritura. A escuta da Palavra, revelando-nos a misericórdia de Deus, descobre e ilumina, ao mesmo tempo, o nosso próprio pecado.

    Mas o exame de consciência é apenas a primeira etapa. Preparar-se para o perdão de Deus implica a contrição, isto é, reconhecer com humildade que o pecado fere a minha relação com Deus e a minha própria dignidade. É também preparar-se, com os meios que a Igreja coloca à nossa disposição, para vencer as tentações, para tomar resoluções concretas que visem a conversão, a vida nova prometida e oferecida pela Páscoa de Jesus Cristo.

    Muitas vezes somos desencorajados a pedir o perdão de Deus porque nos conhecemos e sabemos que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos a cair no mesmo pecado. É verdade que a confissão não nos garante a conversão automática, mas este sacramento coloca-nos na humildade diante de Deus que nos ama apesar da nossa fraqueza e é por isso que este encontro se torna essencial. O sacramento da reconciliação dá-nos também uma graça especial, uma força de Deus, para nos curar das nossas fraquezas e traz um impulso á nossa caminhada cristã e é por isso que, reconhecendo-nos pecadores e fracos, sentimos a paz e a alegria depois da confissão – experimentamos como Deus é misericordioso e não desiste nunca de nós.

     Depois de fazer o exame de consciência, dirijo-me ao sacerdote e confesso os meus pecados. Depois, escuto com atenção e humildade os seus conselhos e exprimo o meu arrependimento e propósito de reparação rezando o Acto de Contrição. Finalmente, o sacerdote dá-me a absolvição. Saindo do confessionário, cumpro o mais brevemente possível a obra de reparação (penitência) que me foi imposta. Se se trata de alguma oração que devo rezar, faço-o antes de me retirar da Igreja.

 

Como fazer o exame de consciência?

Há muitas propostas de exame de consciência, quer na vasta literatura espiritual da Igreja, quer mesmo nalguns sites. Fica aqui uma proposta para revermos a nossa vida à luz de Deus e da sua misericórdia.

 

I – Há quanto tempo me confessei?

Disse ao confessor todos os meus pecados graves, ou deixei por dizer algum de que me lembrava, por medo ou vergonha?

 

II – Examino o cumprimento das minhas obrigações para com Deus.
Faltei à Missa algum Domingo ou Dia Santo de guarda por culpa própria? Quantas vezes? Deixei algum dia de rezar? Recebi algum sacramento sem estar na graça de Deus?

Alguma vez neguei a fé verdadeira, chegando a afirmar-me ateu ou agnóstico? Tive vergonha de manifestar a minha fé? Se alguma omissão me parece mais grave, contá-la-ei ao sacerdote.

Pratiquei ou aconselhei algum acto de superstição, de bruxaria, ou outras práticas não aconselhadas pela Igreja?

Assisti a alguma reunião de espiritismo, culto de seitas, ou outras manifestações de falsas religiões, procurando noutro lugar a salvação que só Jesus Cristo pode dar através da Santa Igreja e dos Sacramentos? Cheguei a considerar-me membro de outra comunidade, cristã ou não cristã, cometendo assim o pecado de cisma, heresia ou apostasia?

Procurei aprofundar a minha pertença à Igreja, participando das actividades paroquiais ou de algum movimento de obra apostólica? Procurei a formação cristã e a catequese adequada à minha idade e formação? Ou pelo contrário tenho-me afastado da vida da comunidade cristã, vivendo a minha religião de uma forma individualista, sem me preocupar com o crescimento da minha fé cristã?
Contribui para as necessidades da Igreja com as esmolas justas e possíveis? Cumpri as minhas promessas e votos? Guardei o jejum e a abstinência prescritos pela Igreja?

 

III – Faltei à justiça ou à caridade com o próximo?

Como filho, cumpri os meus deveres de amor, respeito, gratidão e obediência justa para com os meus pais, e sendo necessário, de ajuda e amparo? Como marido ou esposa, guardei a fidelidade no matrimónio e cumpri com as minhas obrigações de ajuda mútua, diálogo e partilha de vida do casamento? Como pai ou mãe, educo ou eduquei os filhos com amor e firmeza na obediência à lei de Deus e na pertença à Igreja? Respeitei os superiores, temporais e espirituais?
Cometi alguma falta contra os direitos sagrados da vida: homicídio, aborto, eutanásia, violência contra os outros, suicídio tentado ou planeado, uso de drogas, abuso de álcool, condução imprudente, riscos desnecessários e excessos tomados por aventurismo ou fanfarronice, ou qualquer acção que represente a violação do quinto mandamento da Lei de Deus?

Guardei a castidade? Consenti em maus pensamentos? Participei em conversas indecentes? Pratiquei alguma acção grave contra a castidade (masturbação, relações sexuais fora do casamento, leitura, audição ou visionamento de material pornográfico, práticas homossexuais)? No namora, tenho pedido a ajuda da graça de Deus para levar por diante um relacionamento puro? No casamento, peço a ajuda da graça de Deus para ser fiel e obediente aos ensinamentos da Igreja sobre a regulação dos nascimentos?

Apropriei-me indevidamente de algo que não me pertence?

Fui cumpridor no pagamento das dívidas? Devolvi as coisas emprestadas, ferramentas, utensílios, roupas, livros, etc.? trato de maneira honesta e responsável a questão dos meus impostos? Danifiquei com culpa ou tratei com desleixo os bens alheios ou comuns? Tenho sido cumpridor dos meus deveres profissionais, trabalhando esforçadamente e obedecendo às indicações legítimas dos meus superiores? Se sou dador de trabalho ou dirigente, tenho sido justo com os meus subordinados, tratando-os com respeito e pagando-lhes o justo salário? Como estudante, cumpro as minhas obrigações, estudando com afinco e prestando provas com honestidade ou tenho “cabulado”?
Falei sempre a verdade? Prestei falso testemunho em juízo? Enganei os outros, prejudicando-os? Caluniei alguém? Ou, mesmo que não mentindo, disse mal de alguém sem verdadeira necessidade?

 

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA O VII DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII Domingo do Tempo Comum
19 de novembro de 2023

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7)

 

1. O Dia Mundial dos Pobres, sinal fecundo da misericórdia do Pai, vem pela sétima vez alentar o caminho das nossas comunidades. Trata-se duma ocorrência que se está a radicar progressivamente na pastoral da Igreja, fazendo-a descobrir cada vez mais o conteúdo central do Evangelho. Empenhamo-nos todos os dias no acolhimento dos pobres, mas não basta; a pobreza permeia as nossas cidades como um rio que engrossa sempre mais até extravasar; e parece submergir-nos, pois o grito dos irmãos e irmãs que pedem ajuda, apoio e solidariedade ergue-se cada vez mais forte. Por isso, no domingo que antecede a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, reunimo-nos ao redor da sua Mesa para voltar a receber d’Ele o dom e o compromisso de viver a pobreza e servir os pobres.

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7). Esta recomendação ajuda-nos a compreender a essência do nosso testemunho. Deter-se no Livro de Tobite, um texto pouco conhecido do Antigo Testamento, eloquente e cheio de sabedoria, permitir-nos-á penetrar melhor no conteúdo que o autor sagrado deseja transmitir. Abre-se diante de nós uma cena de vida familiar: um pai, Tobite, despede-se do filho, Tobias, que está prestes a iniciar uma longa viagem. O velho Tobite teme não voltar a ver o filho e, por isso, deixa-lhe o seu «testamento espiritual». Foi deportado para Nínive e agora está cego; é, por conseguinte, duplamente pobre, mas sempre viveu com a certeza que o próprio nome exprime: «O Senhor foi o meu bem». Este homem que sempre confiou no Senhor, deseja, como um bom pai, deixar ao filho não tanto bens materiais, mas sobretudo o testemunho do caminho que há de seguir na vida. Por isso diz-lhe: «Lembra-te sempre, filho, do Senhor, nosso Deus, em todos os teus dias, evita o pecado e observa os seus mandamentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da injustiça» (Tb 4, 5).

2. Como salta à vista, a recordação, que o velho Tobite pede ao filho para guardar, não se reduz simplesmente a um ato da memória nem a uma oração dirigida a Deus. Faz referência a gestos concretos, que consistem em praticar boas obras e viver com justiça. E a exortação torna-se ainda mais específica: «Dá esmolas, conforme as tuas posses. Nunca afastes de algum pobre o teu olhar, e nunca se afastará de ti o olhar de Deus» (Tb 4, 7).

Muito surpreendem as palavras deste velho sábio. Não esqueçamos, de facto, que Tobite perdeu a vista precisamente depois de ter praticado um ato de misericórdia. Como ele próprio conta, desde a juventude que se dedicou a obras de caridade, «dando muitas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive (…), fornecendo pão aos esfomeados e vestindo os nus e, se encontrava morto alguém da minha linhagem, atirado para junto dos muros de Nínive, dava-lhe sepultura» (Tb 1, 3.17).

Por causa deste seu testemunho de caridade, viu-se privado de todos os seus bens pelo rei, ficando na pobreza completa. Mas, o Senhor precisava ainda dele! Foi-lhe devolvido o seu lugar de administrador e ele não teve medo de continuar o seu estilo de vida. Ouçamos a sua história, que hoje nos fala também a nós: «Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: “Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho”» (Tb 2, 1-2). Como seria significativo se, no Dia dos Pobres, esta preocupação de Tobite fosse também a nossa! Ou seja, convidar para partilhar o almoço dominical, depois de ter partilhado a Mesa Eucarística. A Eucaristia celebrada tornar-se-ia realmente critério de comunhão. Aliás, se ao redor do altar do Senhor temos consciência de sermos todos irmãos e irmãs, quanto mais visível se tornaria esta fraternidade, compartilhando a refeição festiva com quem carece do necessário!

Tobias fez como o pai lhe dissera, mas voltou com a notícia de que um pobre fora morto e deixado no meio da praça. Sem hesitar, o velho Tobite levantou-se da mesa e foi enterrar aquele homem. Voltando cansado para casa, adormeceu no pátio; caíram-lhe nos olhos excrementos de pássaros, e ficou cego (cf. Tb 2, 1-10). Ironia do destino! Pratica um gesto de caridade e sucede-lhe uma desgraça... Apetece-nos pensar assim, mas a fé ensina-nos a ir mais a fundo. A cegueira de Tobite tornar-se-á a sua força para reconhecer ainda melhor tantas formas de pobreza ao seu redor. E, mais tarde, o Senhor providenciará a devolver ao velho pai a vista e a alegria de rever o filho Tobias. Quando chegou este momento, «Tobite lançou-se-lhe ao pescoço e, chorando, disse: “Vejo-te, filho, tu que és a luz dos meus olhos!” E continuou: “Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome! Benditos os seus santos anjos! Que seu nome esteja sobre nós e benditos sejam todos os seus anjos, pelos séculos sem fim! Ele puniu-me, mas eis que volto a ver Tobias, o meu filho”» (Tb 11, 13-14).

3. Podemos questionar-nos: Donde tira Tobite a coragem e a força interior que lhe permitem servir a Deus no meio dum povo pagão e amar o próximo até ao ponto de pôr em risco a própria vida? Estamos diante dum exemplo extraordinário: Tobite é um marido fiel e um pai carinhoso; foi deportado para longe da sua terra e sofre injustamente; é perseguido pelo rei e pelos vizinhos de casa... Apesar de ânimo tão bom, é posto à prova. Como muitas vezes nos ensina a Sagrada Escritura, Deus não poupa as provações a quem pratica o bem. E porquê? Não o faz para nos humilhar, mas para tornar firme a nossa fé n’Ele.

Tobite, no período da provação, descobre a própria pobreza, que o torna capaz de reconhecer os pobres. É fiel à Lei de Deus e observa os mandamentos, mas para ele isto não basta. A solicitude operosa para com os pobres torna-se-lhe possível, porque experimentou a pobreza na própria pele. Por isso, as palavras que dirige ao filho Tobias constituem a sua verdadeira herança: «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7). Enfim, quando nos deparamos com um pobre, não podemos virar o olhar para o lado oposto, porque impediríamos a nós próprios de encontrar o rosto do Senhor Jesus. E notemos bem aquela expressão «de algum pobre», de todo o pobre. Cada um deles é nosso próximo. Não importa a cor da pele, a condição social, a proveniência... Se sou pobre, posso reconhecer de verdade quem é o irmão que precisa de mim. Somos chamados a ir ao encontro de todo o pobre e de todo o tipo de pobreza, sacudindo de nós mesmos a indiferença e a naturalidade com que defendemos um bem-estar ilusório.

4. Vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto, enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza. Tende-se a ignorar tudo o que não se enquadre nos modelos de vida pensados sobretudo para as gerações mais jovens, que são as mais frágeis perante a mudança cultural em curso. Coloca-se entre parênteses aquilo que é desagradável e causa sofrimento, enquanto se exaltam as qualidades físicas como se fossem a meta principal a alcançar. A realidade virtual sobrepõe-se à vida real, e acontece cada vez mais facilmente confundirem-se os dois mundos. Os pobres tornam-se imagens que até podem comover por alguns momentos, mas quando os encontramos em carne e osso pela estrada, sobrevêm o fastídio e a marginalização. A pressa, companheira diária da vida, impede de parar, socorrer e cuidar do outro. A parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar a outros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão.

5. Damos graças ao Senhor porque há tantos homens e mulheres que vivem a dedicação aos pobres e excluídos e a partilha com eles; pessoas de todas as idades e condições sociais que praticam a hospitalidade e se empenham junto daqueles que se encontram em situações de marginalização e sofrimento. Não são super-homens, mas «vizinhos de casa» que encontramos cada dia e que, no silêncio, se fazem pobres com os pobres. Não se limitam a dar qualquer coisa: escutam, dialogam, procuram compreender a situação e as suas causas, para dar conselhos adequados e indicações justas. Estão atentos tanto à necessidade material como à espiritual, ou seja, à promoção integral da pessoa. O Reino de Deus torna-se presente e visível neste serviço generoso e gratuito; é realmente como a semente que caiu na boa terra da vida destas pessoas, e dá fruto (cf. Lc 8, 4-15). A gratidão a tantos voluntários deve fazer-se oração para que o seu testemunho possa ser fecundo.

6. No 60º aniversário da Encíclica Pacem in terris, é urgente retomar as palavras do Santo Papa João XXIII quando escrevia: «O ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente a nutrição, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí, que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes da sua vontade» (n. 11).

Quanto trabalho temos ainda pela frente para tornar realidade estas palavras, inclusive através dum sério e eficaz empenho político e legislativo! Não obstante os limites e por vezes as lacunas da política para ver e servir o bem comum, possa desenvolver-se a solidariedade e a subsidiariedade de muitos cidadãos que acreditam no valor do empenho voluntário de dedicação aos pobres. Isto, naturalmente sem deixar de estimular e fazer pressão para que as instituições públicas cumpram do melhor modo possível o seu dever. Mas não adianta ficar passivamente à espera de receber tudo «do alto». E, quem vive em condição de pobreza, seja também envolvido e apoiado num processo de mudança e responsabilização.

7. Mais uma vez, infelizmente, temos de constatar novas formas de pobreza que se vêm juntar às outras descritas já anteriormente. Penso de modo particular nas populações que vivem em cenários de guerra, especialmente nas crianças privadas dum presente sereno e dum futuro digno. Ninguém poderá jamais habituar-se a esta situação; mantenhamos viva toda a tentativa para que a paz se afirme como dom do Senhor Ressuscitado e fruto do empenho pela justiça e o diálogo.

Não posso esquecer as especulações, em vários setores, que levam a um aumento dramático dos preços, deixando muitas famílias numa indigência ainda maior. Os salários esgotam-se rapidamente, forçando a privações que atentam contra a dignidade de cada pessoa. Se, numa família, se tem de escolher entre o alimento para se nutrir e os remédios para se curar, então deve fazer-se ouvir a voz de quem clama pelo direito a ambos os bens, em nome da dignidade da pessoa humana.

Além disso, como não assinalar a desordem ética que marca o mundo do trabalho? O tratamento desumano reservado a muitos trabalhadores e trabalhadoras; a remuneração não equivalente ao trabalho realizado; o flagelo da precariedade; as demasiadas vítimas de incidentes, devidos muitas vezes à mentalidade que privilegia o lucro imediato em detrimento da segurança... Voltam à mente as palavras de São João Paulo II: «O primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem. (...) O homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo antes de mais nada o trabalho é “para o homem”, e não o homem “para o trabalho”» (Enc. Laborem exercens, 6).

8. Este elenco, já em si mesmo dramático, dá conta apenas de modo parcial das situações de pobreza que fazem parte da nossa vida diária. Não posso deixar de fora, em particular, uma forma de mal-estar que aparece cada dia mais evidente e que atinge o mundo juvenil. Quantas vidas frustradas e até suicídios de jovens, iludidos por uma cultura que os leva a sentirem-se «inacabados» e «falidos». Ajudemo-los a reagir a estas instigações nocivas, para que cada um possa encontrar a estrada que deve seguir para adquirir uma identidade forte e generosa.

É fácil cair na retórica, quando se fala dos pobres. Tentação insidiosa é também parar nas estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles.

O Livro de Tobias ensina-nos a ser concretos no nosso agir com e pelos pobres. É uma questão de justiça que nos obriga a todos a procurar-nos e encontrar-nos reciprocamente, favorecendo a harmonia necessária para que uma comunidade se possa identificar como tal. Portanto, interessar-se pelos pobres não se esgota em esmolas apressadas; pede para restabelecer as justas relações interpessoais que foram afetadas pela pobreza. Assim «não afastar o olhar do pobre» leva a obter os benefícios da misericórdia, da caridade que dá sentido e valor a toda a vida cristã.

9. Que a nossa solicitude pelos pobres seja sempre marcada pelo realismo evangélico. A partilha deve corresponder às necessidades concretas do outro, e não ao meu supérfluo de que me quero libertar. Também aqui é preciso discernimento, sob a guia do Espírito Santo, para distinguir as verdadeiras exigências dos irmãos do que constitui as nossas aspirações. Aquilo de que seguramente têm urgente necessidade é da nossa humanidade, do nosso coração aberto ao amor. Não esqueçamos: «Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 198). A fé ensina-nos que todo o pobre é filho de Deus e que, nele ou nela, está presente Cristo: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).

10. Este ano completam-se 150 anos do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus. Numa página da sua História de uma alma, deixou escrito: «Compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em edificar-se com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vir praticar; mas compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: “Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas coloca-a sobre o candelabro para alumiar todos os que estão em casa”. Creio que essa luz representa a caridade, que deve iluminar e alegrar, não só os que são mais queridos, mas todos aqueles que estão na casa, sem excetuar ninguém» (Manuscrito C, 12rº: História de uma alma, Avessadas 2005, 255-256).

Nesta casa que é o mundo, todos têm direito de ser iluminados pela caridade, ninguém pode ser privado dela. Possa a tenacidade do amor de Santa Teresinha inspirar os nossos corações neste Dia Mundial, ajudar-nos a «nunca afastar de algum pobre o olhar» e a mantê-lo sempre fixo no rosto humano e divino do Senhor Jesus Cristo.

Roma – São João de Latrão, na Memória de Santo António, Patrono dos pobres, 13 de junho de 2023.

FRANCISCO

CARTA APOSTÓLICA
ADMIRABILE SIGNUM
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O SIGNIFICADO E VALOR DO PRESÉPIO

1. O SINAL ADMIRÁVEL do Presépio, muito amado pelo povo cristão, não cessa de suscitar maravilha e enlevo. Representar o acontecimento da natividade de Jesus equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade d’Aquele que Se fez homem a fim de Se encontrar com todo o homem, e a descobrir que nos ama tanto, que Se uniu a nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele.

Com esta Carta, quero apoiar a tradição bonita das nossas famílias prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças… Trata-se verdadeiramente dum exercício de imaginação criativa, que recorre aos mais variados materiais para produzir, em miniatura, obras-primas de beleza. Aprende-se em criança, quando o pai e a mãe, juntamente com os avós, transmitem este gracioso costume, que encerra uma rica espiritualidade popular. Almejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar.

2. A origem do Presépio fica-se a dever, antes de mais nada, a alguns pormenores do nascimento de Jesus em Belém, referidos no Evangelho. O evangelista Lucas limita-se a dizer que, tendo-se completado os dias de Maria dar à luz, «teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (2, 7). Jesus é colocado numa manjedoura, que, em latim, se diz praesepium, donde vem a nossa palavra presépio.

Ao entrar neste mundo, o Filho de Deus encontra lugar onde os animais vão comer. A palha torna-se a primeira enxerga para Aquele que Se há de revelar como «o pão vivo, o que desceu do céu» (Jo6, 51). Uma simbologia, que já Santo Agostinho, a par doutros Padres da Igreja, tinha entrevisto quando escreveu: «Deitado numa manjedoura, torna-Se nosso alimento».[1]Na realidade, o Presépio inclui vários mistérios da vida de Jesus, fazendo-os aparecer familiares à nossa vida diária.

Passemos agora à origem do Presépio, tal como nós o entendemos. A mente leva-nos a Gréccio, na Valada de Rieti; aqui se deteve São Francisco, provavelmente quando vinha de Roma onde recebera, do Papa Honório III, a aprovação da sua Regra em 29 de novembro de 1223. Aquelas grutas, depois da sua viagem à Terra Santa, faziam-lhe lembrar de modo particular a paisagem de Belém. E é possível que, em Roma, o «Poverello» de Assis tenha ficado encantado com os mosaicos, na Basílica de Santa Maria Maior, que representam a natividade de Jesus e se encontram perto do lugar onde, segundo uma antiga tradição, se conservam precisamente as tábuas da manjedoura.

As Fontes Franciscanas narram, de forma detalhada, o que aconteceu em Gréccio. Quinze dias antes do Natal, Francisco chamou João, um homem daquela terra, para lhe pedir que o ajudasse a concretizar um desejo: «Quero representar o Menino nascido em Belém, para de algum modo ver com os olhos do corpo os incómodos que Ele padeceu pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido, tendo sido reclinado na palha duma manjedoura, entre o boi e o burro».[2]Mal acabara de o ouvir, o fiel amigo foi preparar, no lugar designado, tudo o que era necessário segundo o desejo do Santo. No dia 25 de dezembro, chegaram a Gréccio muitos frades, vindos de vários lados, e também homens e mulheres das casas da região, trazendo flores e tochas para iluminar aquela noite santa. Francisco, ao chegar, encontrou a manjedoura com palha, o boi e o burro. À vista da representação do Natal, as pessoas lá reunidas manifestaram uma alegria indescritível, como nunca tinham sentido antes. Depois o sacerdote celebrou solenemente a Eucaristia sobre a manjedoura, mostrando também deste modo a ligação que existe entre a Encarnação do Filho de Deus e a Eucaristia. Em Gréccio, naquela ocasião, não havia figuras; o Presépio foi formado e vivido pelos que estavam presentes.[3]

Assim nasce a nossa tradição: todos à volta da gruta e repletos de alegria, sem qualquer distância entre o acontecimento que se realiza e as pessoas que participam no mistério.

O primeiro biógrafo de São Francisco, Tomás de Celano, lembra que naquela noite, à simples e comovente representação se veio juntar o dom duma visão maravilhosa: um dos presentes viu que jazia na manjedoura o próprio Menino Jesus. Daquele Presépio do Natal de 1223, «todos voltaram para suas casas cheios de inefável alegria»[4].

3. Com a simplicidade daquele sinal, São Francisco realizou uma grande obra de evangelização. O seu ensinamento penetrou no coração dos cristãos, permanecendo até aos nossos dias como uma forma genuína de repropor, com simplicidade, a beleza da nossa fé. Aliás, o próprio lugar onde se realizou o primeiro Presépio sugere e suscita estes sentimentos. Gréccio torna-se um refúgio para a alma que se esconde na rocha, deixando-se envolver pelo silêncio.

Por que motivo suscita o Presépio tanto enlevo e nos comove? Antes de mais nada, porque manifesta a ternura de Deus. Ele, o Criador do universo, abaixa-Se até à nossa pequenez. O dom da vida, sempre misterioso para nós, fascina-nos ainda mais ao vermos que Aquele que nasceu de Maria é a fonte e o sustento de toda a vida. Em Jesus, o Pai deu-nos um irmão, que vem procurar-nos quando estamos desorientados e perdemos o rumo, e um amigo fiel, que está sempre ao nosso lado; deu-nos o seu Filho, que nos perdoa e levanta do pecado.

Armar o Presépio em nossas casas ajuda-nos a reviver a história sucedida em Belém. Naturalmente os Evangelhos continuam a ser a fonte, que nos permite conhecer e meditar aquele Acontecimento; mas, a sua representação no Presépio ajuda a imaginar as várias cenas, estimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais.

De modo particular, desde a sua origem franciscana, o Presépio é um convite a «sentir», a «tocar» a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à Cruz, e um apelo ainda a encontrá-Lo e servi-Lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados (cf. Mt 25, 31-46).

4. Gostava agora de repassar os vários sinais do Presépio para apreendermos o significado que encerram. Em primeiro lugar, representamos o céu estrelado na escuridão e no silêncio da noite. Fazemo-lo não apenas para ser fiéis às narrações do Evangelho, mas também pelo significado que possui. Pensemos nas vezes sem conta que a noite envolve a nossa vida. Pois bem, mesmo em tais momentos, Deus não nos deixa sozinhos, mas faz-Se presente para dar resposta às questões decisivas sobre o sentido da nossa existência: Quem sou eu? Donde venho? Por que nasci neste tempo? Por que amo? Por que sofro? Por que hei de morrer? Foi para dar uma resposta a estas questões que Deus Se fez homem. A sua proximidade traz luz onde há escuridão, e ilumina a quantos atravessam as trevas do sofrimento (cf. Lc 1, 79).

Merecem também uma referência as paisagens que fazem parte do Presépio; muitas vezes aparecem representadas as ruínas de casas e palácios antigos que, nalguns casos, substituem a gruta de Belém tornando-se a habitação da Sagrada Família. Parece que estas ruínas se inspiram na Legenda Áurea, do dominicano Jacopo de Varazze (século XIII), onde se refere a crença pagã segundo a qual o templo da Paz, em Roma, iria desabar quando desse à luz uma Virgem. Aquelas ruínas são sinal visível sobretudo da humanidade decaída, de tudo aquilo que cai em ruína, que se corrompe e definha. Este cenário diz que Jesus é a novidade no meio dum mundo velho, e veio para curar e reconstruir, para reconduzir a nossa vida e o mundo ao seu esplendor originário.

5. Uma grande emoção se deveria apoderar de nós, ao colocarmos no Presépio as montanhas, os riachos, as ovelhas e os pastores! Pois assim lembramos, como preanunciaram os profetas, que toda a criação participa na festa da vinda do Messias. Os anjos e a estrela-cometa são o sinal de que também nós somos chamados a pôr-nos a caminho para ir até à gruta adorar o Senhor.

«Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer» (Lc 2, 15): assim falam os pastores, depois do anúncio que os anjos lhes fizeram. É um ensinamento muito belo, que nos é dado na simplicidade da descrição. Ao contrário de tanta gente ocupada a fazer muitas outras coisas, os pastores tornam-se as primeiras testemunhas do essencial, isto é, da salvação que nos é oferecida. São os mais humildes e os mais pobres que sabem acolher o acontecimento da Encarnação. A Deus, que vem ao nosso encontro no Menino Jesus, os pastores respondem, pondo-se a caminho rumo a Ele, para um encontro de amor e de grata admiração. É precisamente este encontro entre Deus e os seus filhos, graças a Jesus, que dá vida à nossa religião e constitui a sua beleza singular, que transparece de modo particular no Presépio.

6. Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração. Também estas figuras estão próximas do Menino Jesus de pleno direito, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las dum berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente. Antes, os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós.

No Presépio, os pobres e os simples lembram-nos que Deus Se faz homem para aqueles que mais sentem a necessidade do seu amor e pedem a sua proximidade. Jesus, «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29), nasceu pobre, levou uma vida simples, para nos ensinar a identificar e a viver do essencial. Do Presépio surge, clara, a mensagem de que não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade. Como pano de fundo, aparece o palácio de Herodes, fechado, surdo ao jubiloso anúncio. Nascendo no Presépio, o próprio Deus dá início à única verdadeira revolução que dá esperança e dignidade aos deserdados, aos marginalizados: a revolução do amor, a revolução da ternura. Do Presépio, com meiga força, Jesus proclama o apelo à partilha com os últimos como estrada para um mundo mais humano e fraterno, onde ninguém seja excluído e marginalizado.

Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho. Contudo esta imaginação pretende expressar que, neste mundo novo inaugurado por Jesus, há espaço para tudo o que é humano e para toda a criatura. Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam… tudo isso representa a santidade do dia a dia, a alegria de realizar de modo extraordinário as coisas de todos os dias, quando Jesus partilha connosco a sua vida divina.

7. A pouco e pouco, o Presépio leva-nos à gruta, onde encontramos as figuras de Maria e de José. Maria é uma mãe que contempla o seu Menino e O mostra a quantos vêm visitá-Lo. A sua figura faz pensar no grande mistério que envolveu esta jovem, quando Deus bateu à porta do seu coração imaculado. Ao anúncio do anjo que Lhe pedia para Se tornar a mãe de Deus, Maria responde com obediência plena e total. As suas palavras – «eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38) – são, para todos nós, o testemunho do modo como abandonar-se, na fé, à vontade de Deus. Com aquele «sim», Maria tornava-Se mãe do Filho de Deus, sem perder – antes, graças a Ele, consagrando – a sua virgindade. N’Ela, vemos a Mãe de Deus que não guarda o seu Filho só para Si mesma, mas pede a todos que obedeçam à palavra d’Ele e a ponham em prática (cf. Jo 2, 5).

Ao lado de Maria, em atitude de quem protege o Menino e sua mãe, está São José. Geralmente, é representado com o bordão na mão e, por vezes, também segurando um lampião. São José desempenha um papel muito importante na vida de Jesus e Maria. É o guardião que nunca se cansa de proteger a sua família. Quando Deus o avisar da ameaça de Herodes, não hesitará a pôr-se em viagem emigrando para o Egito (cf. Mt 2, 13-15). E depois, passado o perigo, reconduzirá a família para Nazaré, onde será o primeiro educador de Jesus, na sua infância e adolescência. José trazia no coração o grande mistério que envolvia Maria, sua esposa, e Jesus; homem justo que era, sempre se entregou à vontade de Deus e pô-la em prática.

8. O coração do Presépio começa a palpitar, quando colocamos lá, no Natal, a figura do Menino Jesus. Assim Se nos apresenta Deus, num menino, para fazer-Se acolher nos nossos braços. Naquela fraqueza e fragilidade, esconde o seu poder que tudo cria e transforma. Parece impossível, mas é assim: em Jesus, Deus foi criança e, nesta condição, quis revelar a grandeza do seu amor, que se manifesta num sorriso e nas suas mãos estendidas para quem quer que seja.

O nascimento duma criança suscita alegria e encanto, porque nos coloca perante o grande mistério da vida. Quando vemos brilhar os olhos dos jovens esposos diante do seu filho recém-nascido, compreendemos os sentimentos de Maria e José que, olhando o Menino Jesus, entreviam a presença de Deus na sua vida.

«De facto, a vida manifestou-se» (1 Jo 1, 2): assim o apóstolo João resume o mistério da Encarnação. O Presépio faz-nos ver, faz-nos tocar este acontecimento único e extraordinário que mudou o curso da história e a partir do qual também se contam os anos, antes e depois do nascimento de Cristo.

O modo de agir de Deus quase cria vertigens, pois parece impossível que Ele renuncie à sua glória para Se fazer homem como nós. Que surpresa ver Deus adotar os nossos próprios comportamentos: dorme, mama ao peito da mãe, chora e brinca, como todas as crianças. Como sempre, Deus gera perplexidade, é imprevisível, aparece continuamente fora dos nossos esquemas. Assim o Presépio, ao mesmo tempo que nos mostra Deus tal como entrou no mundo, desafia-nos a imaginar a nossa vida inserida na de Deus; convida a tornar-nos seus discípulos, se quisermos alcançar o sentido último da vida.

9. Quando se aproxima a festa da Epifania, colocam-se no Presépio as três figuras dos Reis Magos. Tendo observado a estrela, aqueles sábios e ricos senhores do Oriente puseram-se a caminho rumo a Belém para conhecer Jesus e oferecer-Lhe de presente ouro, incenso e mirra. Estes presentes têm também um significado alegórico: o ouro honra a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade; a mirra, a sua humanidade sagrada que experimentará a morte e a sepultura.

Ao fixarmos esta cena no Presépio, somos chamados a refletir sobre a responsabilidade que cada cristão tem de ser evangelizador. Cada um de nós torna-se portador da Boa-Nova para as pessoas que encontra, testemunhando a alegria de ter conhecido Jesus e o seu amor; e fá-lo com ações concretas de misericórdia.

Os Magos ensinam que se pode partir de muito longe para chegar a Cristo: são homens ricos, estrangeiros sábios, sedentos de infinito, que saem para uma viagem longa e perigosa e que os leva até Belém (cf. Mt 2, 1-12). À vista do Menino Rei, invade-os uma grande alegria. Não se deixam escandalizar pela pobreza do ambiente; não hesitam em pôr-se de joelhos e adorá-Lo. Diante d’Ele compreendem que Deus, tal como regula com soberana sabedoria o curso dos astros, assim também guia o curso da história, derrubando os poderosos e exaltando os humildes. E de certeza, quando regressaram ao seu país, falaram deste encontro surpreendente com o Messias, inaugurando a viagem do Evangelho entre os gentios.

10. Diante do Presépio, a mente corre de bom grado aos tempos em que se era criança e se esperava, com impaciência, o tempo para começar a construí-lo. Estas recordações induzem-nos a tomar consciência sempre de novo do grande dom que nos foi feito, transmitindo-nos a fé; e ao mesmo tempo, fazem-nos sentir o dever e a alegria de comunicar a mesma experiência aos filhos e netos. Não é importante a forma como se arma o Presépio; pode ser sempre igual ou modificá-la cada ano. O que conta, é que fale à nossa vida. Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que Se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre.

Queridos irmãos e irmãs, o Presépio faz parte do suave e exigente processo de transmissão da fé. A partir da infância e, depois, em cada idade da vida, educa-nos para contemplar Jesus, sentir o amor de Deus por nós, sentir e acreditar que Deus está connosco e nós estamos com Ele, todos filhos e irmãos graças àquele Menino Filho de Deus e da Virgem Maria. E educa para sentir que nisto está a felicidade. Na escola de São Francisco, abramos o coração a esta graça simples, deixemos que do encanto nasça uma prece humilde: o nosso «obrigado» a Deus, que tudo quis partilhar connosco para nunca nos deixar sozinhos.

Dado em Gréccio, no Santuário do Presépio, a 1 de dezembro de 2019, sétimo do meu pontificado.

Franciscus

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

O que é o Corpo de Deus?

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É o nome que vulgarmente se dá à solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, a qual é celebrada pela Igreja 60 dias depois da Páscoa, na quinta-feira que se segue à Solenidade da Santíssima Trindade. A sua celebração pretende sublinhar o significado e a importância do sacramento da Eucaristia para a vida cristã.

Quando e porque se instituiu esta solenidade?

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Foi instituída pelo Papa Urbano IV, em 1264. Surgiu como resposta, por um lado às heresias que colocavam em causa a presença real de Cristo na Eucaristia e, por outro, ao movimento de devoção ao Santíssimo Sacramento que se tinha vindo a intensificar na prática dos fiéis. É de destacar a importância da Santa Juliana de Cornillon (também conhecida como Santa Juliana de Liège), cujas visões místicas apelavam a esta devoção e invocavam a instituição desta festa litúrgica. Esta solenidade foi recebendo várias denominações ao longo do tempo.

Porque se celebra o Corpo de Deus?

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A comunidade cristã é convocada para, como corpo, reafirmar a sua fé no mistério que se celebra no sacramento da Eucaristia. A Eucaristia é a memória e a atualização do mistério pascal, ou seja, da morte e ressurreição de Jesus, que comunicando o amor que Deus é, concede a salvação a toda a humanidade. Nas palavras de Bento XVI, na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis, o mistério eucarístico «é a doação que Jesus Cristo faz de si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem». É a contemplação deste mistério que, neste dia em particular, pretende suscitar em toda a comunidade adoração, louvor e agradecimento por este dom de amor, que é a fonte e o centro de toda a vida cristã.

Se a Eucaristia é celebrada todos os dias, e a cada domingo de forma especial, qual o sentido desta festa?

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Esta festa convida os fiéis a deterem-se, mais demorada e profundamente, no mistério que celebram e que é o centro vital da sua vida crente, renovando a sua profissão de fé em Cristo que está vivo e presente neste sacramento. O próprio Papa Urbano IV, na Bula Transiturus de hoc Mundo, na qual institui esta celebração, sublinha que: «Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião, é justo, que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória».

Porque é que esta festa se celebra à quinta-feira?

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Sempre que possível é celebrada numa quinta-feira, para unir esta festividade à memória da Quinta-feira Santa, dia da instituição da Sagrada Eucaristia na última Ceia de Jesus com os Seus Apóstolos. Quando tal não é possível, é transferida para o domingo seguinte.

A Igreja recomenda que esta celebração culmine com uma procissão que percorra as ruas da cidade. Qual o seu significado?

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Esta procissão é uma prática ritual antiga que pretende ser uma expressão pública da devoção ao Santíssimo Sacramento, ou seja, ser um testemunho de fé na presença real e pessoal de Cristo nas espécies eucarísticas, no pão e no vinho. Esta presença, pela comunhão e graça do Espírito Santo, torna-se viva na vida dos crentes, como dom de amor, que salva e liberta, levando-os a transformarem as suas vidas em nome deste amor que os habita. Por outro lado, percorrendo as ruas por onde passa o dia-a-dia de tantas pessoas, esta procissão mostra-nos que Senhor nos acompanha em cada um dos nossos caminhos.

Que aspetos da fé cristã têm sido sublinhados na celebração desta solenidade nos últimos anos?

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Surgem como notas dominantes na pregação dos últimos papas: o amor de caridade, a comunhão, a universalidade e a unidade.Ao relembrarem a centralidade da Eucaristia na vida cristã, como sacramento onde se celebra a entrega de Jesus por amor à humanidade, para a sua salvação, surge o convite a acolher este amor e a viver o dia-a-dia em seu nome, procurando amar, todos e cada um, como Jesus amou. Surge, também, o convite a tomar consciência de que é como um corpo que a Igreja acolhe a graça deste sacramento, e não individualmente, a qual predispõe a comunidade a viver numa atitude de comunhão, de união e de anúncio permanente, que não a leva a fechar-se em de si mesma, mas a abrir-se ao serviço de todas as mulheres e homens do mundo.

Joana Viana Lopes

Aniversário da Diocese de Leiria-Fátima

Em Julho de 1543, vagava o bispado de Coimbra, pelo falecimento de D. Jorge de Almeida, ao fim de 60 longos anos de episcopado e, a 11 de Novembro, o mesmo sucedia no arcebispado de Braga, por falecimento do infante D. Duarte, filho de D. João III, eleito no ano anterior. D. João III, aproveitando esta oportunidade, deu instruções ao seu embaixador na corte de Roma, Baltazar de Faria, para que os dois bispados fossem divididos, antes de serem novamente providos. No caso de Coimbra, dava-se a circunstância de o priorado de Santa Cruz deter na vila de Leiria e seu termo rendas eclesiásticas, julgadas suficientes para a erecção de um bispado. De facto, “a vila de Leiria é uma das notáveis vilas e de grande povoação do reino de Portugal, em que há igrejas grandes e mosteiros de religiosos, e principalmente há uma igreja principal de prior e muitos beneficiados, à qual são anexas todas as igrejas da dita vila e termo”. Pela bula “Pro excellenti”, de 22 de Maio de 1545, o Papa Paulo III criava a Diocese de Leiria, separando-a de Coimbra e do priorado-mor do mosteiro de Santa Cruz da mesma cidade; erigia a igreja de Santa Maria da Pena em catedral; e integrava a nova Diocese na província eclesiástica de Lisboa. Noutra bula da mesma data, o Papa recomendava ao rei o novo bispo, D. Frei Brás de Barros, e unia à mesa capitular de Leiria as rendas da igreja de Santa Maria e suas anexas, sujeitas até então ao priorado-mor de Santa Cruz de Coimbra. A 13 de Junho do mesmo ano, D. João III, na sequência dos actos pontifícios que ele próprio solicitara, dois anos antes, elevava a vila de Leiria à categoria de cidade. A Diocese de Leiria foi criada com dez paróquias ou quase-paróquias, directamente dependentes dos Crúzios de Coimbra: na vila, vindas do século XII, Santa Maria da Pena, a matriz, S. Pedro, S. Tiago, S. Estêvão, S. Martinho; no termo, Paredes (criada em data que se ignora, transferida provisoriamente para o lugar de Pataias, em 1536, e definitivamente, para o mesmo lugar, em 1542), Reguengo (desmembrada de S. Martinho, em 1512), Batalha (de S. Estêvão, em 1512), Monte Real (de S. Tiago, em 1512) e Maceira (de S. Estêvão, em 1517); e mais cinco que dependiam da jurisdição diocesana do bispo de Coimbra, embora fossem assistidas pastoralmente pelos mesmos Crúzios: Colmeias, Vermoil, S. Simão de Litém, Espite e Souto da Carpalhosa (todas já existentes, pelo menos, em 1211).

 Vocação: graça e missão

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O 60º DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES

(30 de abril de 2023 - IV Domingo de Páscoa)

Amados irmãos e irmãs, queridos jovens!

É a sexagésima vez que se celebra o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, instituído por São Paulo VI em 1964, durante o Concílio Ecuménico Vaticano II. Esta providencial iniciativa visa ajudar os membros do Povo de Deus a responder, pessoalmente e em comunidade, à chamada e à missão que o Senhor confia a cada um no mundo de hoje, com as suas feridas e as suas esperanças, os seus desafios e as suas conquistas.

Neste ano, proponho-vos refletir e rezar guiados pelo tema «Vocação: graça e missão». É uma preciosa ocasião para redescobrir, maravilhados, que a chamada do Senhor é graça, dom gratuito e, ao mesmo tempo, é empenho de partir, sair para levar o Evangelho. Somos chamados a uma fé testemunhada, que estreita fortemente o vínculo entre a vida da graça, através dos Sacramentos e da comunhão eclesial, e o apostolado no mundo. Animado pelo Espírito, o cristão deixa-se interpelar pelas periferias existenciais e é sensível aos dramas humanos, tendo sempre bem presente que a missão é obra de Deus e não a realizamos sozinhos, mas em comunhão eclesial, juntamente com os irmãos e irmãs, guiados pelos Pastores. Pois este sempre foi o sonho de Deus: vivermos com Ele em comunhão de amor.

Escolhidos antes da criação do mundo

O apóstolo Paulo abre-nos de par em par um horizonte maravilhoso: Deus Pai «escolheu-nos em Cristo antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis na sua presença, no amor. Predestinou-nos para sermos adotados como seus filhos por meio de Jesus Cristo, de acordo com o beneplácito da sua vontade» (Ef 1, 4-5). São palavras que nos permitem ver a vida no seu sentido pleno: Deus «concebe-nos» à sua imagem e semelhança e quer-nos seus filhos: fomos criados pelo Amor, por amor e com amor, e somos feitos para amar.

No decurso da nossa vida, esta chamada, inscrita nas fibras do nosso ser e portadora do segredo da felicidade, alcança-nos, pela ação do Espírito Santo, de maneira sempre nova, ilumina a nossa inteligência, infunde vigor na vontade, enche-nos de admiração e faz arder o nosso coração. Às vezes irrompe até de forma inesperada. Assim aconteceu comigo em 21 de setembro de 1953, quando, a caminho da festa anual do estudante, senti o impulso de entrar na igreja e me confessar. Aquele dia mudou a minha vida, dando-lhe uma fisionomia que dura até hoje. Mas a chamada divina ao dom de nós mesmos abre estrada gradualmente, através dum caminho: em contacto com uma situação de pobreza, num momento de oração, graças a um claro testemunho do Evangelho, a uma leitura que nos abre a mente, quando ouvimos uma Palavra de Deus e a sentimos dirigida precisamente a nós, no conselho dum irmão ou uma irmã que nos acompanha, num período de doença ou de luto... A fantasia de Deus que nos chama é infinita.

E a sua iniciativa e dom gratuito esperam a nossa resposta. A vocação é uma «combinação entre a escolha divina e a liberdade humana», [1] uma relação dinâmica e estimulante que tem como interlocutores Deus e o coração humano. Assim, o dom da vocação é como uma semente divina que germina no terreno da nossa vida, abre-nos a Deus e abre-nos aos outros para partilhar com eles o tesouro encontrado. Esta é a estrutura fundamental daquilo que entendemos por vocação: Deus chama amando, e nós, agradecidos, respondemos amando. Descobrimo-nos como filhos e filhas amados pelo mesmo Pai, e reconhecemo-nos como irmãos e irmãs entre nós. Santa Teresa do Menino Jesus, quando «viu» com clareza esta realidade, exclamou: «Encontrei finalmente a minha vocação! A minha vocação é o amor! Sim, encontrei o meu lugar na Igreja (…): no coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor». [2]

Eu sou uma missão nesta terra

Como dissemos, a chamada de Deus inclui o envio. Não há vocação sem missão. E não há felicidade e plena autorrealização sem oferecer aos outros a vida nova que encontramos. A chamada divina ao amor é uma experiência que não se pode calar. «Ai de mim, se eu não evangelizar!»: exclamava São Paulo (1 Cor 9, 16). E a I Carta de João começa assim: «O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida [feito carne] (…), isso vos anunciamos (…) para que a nossa alegria seja completa» (1, 1.3.4).

Há cinco anos, na exortação apostólica Gaudete et exsultate, dizia eu a cada batizado e batizada: «Também tu precisas de conceber a totalidade da tua vida como uma missão» (n. 23). Sim, porque cada um de nós, sem exceção, pode dizer: «Eu sou uma missão nesta terra e para isso estou neste mundo» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 273).

A missão comum a todos nós, cristãos, é testemunhar com alegria, em cada situação, por atitudes e palavras, aquilo que experimentamos estando com Jesus e na sua comunidade, que é a Igreja. E traduz-se em obras de misericórdia materiais e espirituais, num estilo de vida acolhedor e sereno, capaz de proximidade, compaixão e ternura, em contracorrente à cultura do descarte e da indiferença. Fazer-nos próximo como o bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) permite-nos compreender o «núcleo» da vocação cristã: imitar Jesus Cristo que veio para servir e não para ser servido (cf. Mc 10, 45).

Esta ação missionária não nasce simplesmente das nossas capacidades, intenções ou projetos, nem da nossa vontade nem mesmo do nosso esforço de praticar as virtudes, mas duma profunda experiência com Jesus. Só assim podemos tornar-nos testemunhas de Alguém, duma Vida; e é isso que nos torna «apóstolos». Reconhecemo-nos então «como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 273).

Temos um ícone evangélico desta experiência nos dois discípulos de Emaús. Estes, depois do encontro com Jesus ressuscitado, confidenciavam um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» ( Lc24, 32). Podemos ver neles o que significa ter «corações ardentes e pés ao caminho». [3] É o que desejo também para a próxima Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, que aguardo com alegria e que tem como lema: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» ( Lc 1, 39). Que cada um e cada uma se sinta chamado a levantar-se e partir apressadamente, com coração ardente!

Chamados juntos: convocados

O evangelista Marcos narra o momento em que Jesus chamou para junto d’Ele doze discípulos, cada um pelo próprio nome. Estabeleceu-os para estarem com Ele e os enviar a pregar, curar as doenças e expulsar os demónios (cf. Mc 3, 13-15). Assim o Senhor lança as bases da sua nova Comunidade. Os Doze eram pessoas de ambientes sociais e profissões diferentes, não pertencentes às categorias mais importantes. Os Evangelhos referem ainda outras chamadas, como a dos setenta e dois discípulos que Jesus envia dois a dois (cf. Lc 10, 1).

O termo Igreja deriva precisamente de Ekklesía, palavra grega que significa assembleia de pessoas chamadas, convocadas, para formar a comunidade dos discípulos e discípulas missionários de Jesus Cristo, comprometendo-se a viver entre si o seu amor (cf. Jo 13, 34; 15, 12) e a espalhá-lo no meio de todos, para que venha o Reino de Deus.

Na Igreja, somos todos servos e servas, segundo diversas vocações, carismas e ministérios. A vocação ao dom de si próprio no amor, comum a todos, desenvolve-se e concretiza-se na vida dos cristãos leigos e leigas, empenhados a construir a família como uma pequena igreja doméstica e a renovar os diversos ambientes da sociedade com o fermento do Evangelho; no testemunho das consagradas e consagrados, entregues totalmente a Deus pelos irmãos e irmãs como profecia do Reino de Deus; nos ministros ordenados (diáconos, presbíteros, bispos) colocados ao serviço da Palavra, da oração e da comunhão do Povo santo de Deus. Só na relação com todas as outras é que cada vocação específica na Igreja se revela plenamente com a sua própria verdade e riqueza. Neste sentido, a Igreja é uma sinfonia vocacional, com todas as vocações unidas e distintas em harmonia e juntas «em saída» para irradiar no mundo a vida nova do Reino de Deus.

Graça e missão: dom e tarefa

Amados irmãos e irmãs, a vocação é dom e tarefa, fonte de vida nova e de verdadeira alegria. Que as iniciativas de oração e animação pastoral ligadas a este Dia reforcem a sensibilidade vocacional nas nossas famílias, nas paróquias, nas comunidades de vida consagrada, nas associações e nos movimentos eclesiais. Que o Espírito do Ressuscitado nos faça sair da apatia e nos dê simpatia e empatia, para vivermos cada dia regenerados como filhos de Deus-Amor (cf. 1 Jo 4, 16) e sermos, por nossa vez, geradores no amor: capazes de levar a vida a todos os lugares, especialmente onde há exclusão e exploração, indigência e morte. Que deste modo se alarguem os espaços de amor [4] e Deus reine cada vez mais neste mundo.

Acompanhe-nos neste caminho a oração composta por São Paulo VI para o 1º Dia Mundial das Vocações (11 de abril de 1964):

«Ó Jesus, divino Pastor das almas, que chamastes os Apóstolos para fazer deles pescadores de homens, continuai a atrair para Vós almas ardentes e generosas de jovens, a fim de fazer deles vossos seguidores e vossos ministros; tornai-os participantes da vossa sede de redenção universal, (…) abri-lhes os horizontes do mundo inteiro, (…) para que, respondendo à vossa chamada, prolonguem aqui na terra a vossa missão, edifiquem o vosso Corpo místico, que é a Igreja, e sejam “sal da terra”, “luz do mundo” (Mt 5, 13)».

Que a Virgem Maria vos acompanhe e proteja. Com a minha bênção.

Roma, São João de Latrão, no IV Domingo de Páscoa, 30 de abril de 2023.

Francisco

90ª Peregrinação diocesana a Fátima - 26 de março de 2023

Programa e orientações

Tema: “Eucaristia, comunhão e missão”

Programa geral

8-9h30 – Confissões: na capela da reconciliação (parte inferior da basílica da

Santíssima Trindade)

09h30 – Concentração em frente da basílica da Santíssima Trindade

09h45 – Caminhada como povo de Deus em direção à Capelinha

10h00 – Saudação a Nossa Senhora e oração do Rosário (programa oficial do

Santuário)

11h00 – Procissão e celebração da Eucaristia (no altar do recinto)

13h00 – Almoço convívio por vigararias nos parques abaixo indicados

15h00 – Concerto orante de cânticos eucarísticos (na basílica Nª Sª do Rosário)

Bandeiras: as paróquias e suas igrejas (capelas) bem como associações e movimentos

devem levar as respetivas bandeiras.

Símbolos

Quem as tiver, leve as faixas coloridas (tipo cachecol), uma cor por Vigararia, com o símbolo da Diocese: Batalha: vermelho; Colmeias: amarelo torrado; Fátima: amarelo claro; Leiria: rosa; Marinha Grande: verde; Milagres: azul escuro; Monte Real: azul claro; Ourém: laranja; Porto de Mós: castanho.

Parques de estacionamento e almoço por vigararia

Convidamos os fiéis com os respetivos párocos a juntar-se no mesmo parque e ali fazerem o almoço de confraternização, nos lugares próprios para o efeito. Os vigários podem combinar entre si em que parte do parque se juntam os fiéis da respetiva vigararia. Os parques situam-se todos atrás da basílica da Senhora do Rosário,

A título de indicação, as vigararias
distribuem-se do seguinte modo:

Batalha: vermelho; parque 2

Colmeias: amarelo torrado; parque 2

Fátima: amarelo clero; parque 2

Leiria: rosa; parque 3

Marinha Grande: verde; parque 4

Milagres: azul escuro; parque 5

Monte Real: azul claro; parque 5

Ourém: laranja; parque 6

Porto de Mós: castanho; parque 7.

S. José, Santo porquê?

Um santo é alguém cujas virtudes se destacaram de alguma forma e serve, por isso, de exemplo para os seus contemporâneos e para as gerações seguintes. Já nos perguntámos porque é que São José é santo? Alguém responderá de imediato: porque era o pai adotivo de Jesus e o marido de Maria! Parece óbvio, não? Bem, mas, por essa ordem de ideias, todos os familiares e amigos e até vizinhos de Jesus seriam venerados como santos. Mas não se é automaticamente santo por proximidade ou uma espécie de contágio. Por isso, a resposta deverá ser outra.

Sabemos que José não deixou obra escrita; aliás, os Evangelhos não registam uma única palavra sua. Tão-pouco fundou uma ordem monástica ou uma obra de caridade. Então, qual a sua relevância na História da Salvação? O que é que faz dele um modelo para nós? E, em especial, porque nos é apresentado como modelo de homem de família?

Como diz o ditado, o homem põe e Deus dispõe. Como Pai por excelência, sabe melhor do que nós mesmos o que é realmente bom para nós e, por isso, desafia-nos e propõe-nos caminhos alternativos, que nem sempre conseguimos aceitar, nem sequer compreender. Deus trocou os planos a José, como faz a todos nós. Ele tinha uma profissão para assegurar o sustento de uma família, seguia os preceitos da Lei de Deus e estava noivo de uma jovem virtuosa. Como se costuma dizer, a sua vida estava encaminhada. Até que Maria engravida misteriosamente e José se vê confrontado com a necessidade de tomar uma decisão da maior importância para ele, para os seus e para a Humanidade que Cristo veio salvar.

José esteve à altura das circunstâncias, mesmo não tendo podido escolhê-las. Aceitou-as, não contrariado ou com revolta, muito menos derrotado. Homem de fé, abriu-se à voz que lhe dizia, no seu íntimo, que o que estava a acontecer-lhe era conforme o plano de Deus. Homem de honra, acolheu Maria como esposa. Homem de família, fez seu filho, por inteiro, o Menino-Deus e cuidou d’Ele e da Mãe.

O nosso desafio, hoje como sempre, é aceitar integralmente a nossa vida e fazer o nosso melhor com as circunstâncias. As nossas, não as dos outros ou as ideais. Aceitar os aspetos menos luminosos do marido ou da esposa, seja um traço de personalidade mais exigente, algumas partes da história pessoal, uma doença ou limitação – a “bagagem” que todos trazemos e impomos aos outros.

Aceitar que os filhos não são nossa propriedade nem servem para realizar os nossos sonhos ou compensar as nossas frustrações. Aceitar que vão desiludir-nos várias vezes – e nós a eles – e dar-nos alegrias diferentes das que esperaríamos.

Aceitar que o trabalho nem sempre nos preenche mas desgasta sempre.

Aceitar os colegas e vizinhos que nos calharam. Aceitar a família, pais, irmãos, sogros, cunhados.

Aceitarmo-nos a nós mesmos.

A alternativa a esta aceitação permanentemente renovada é vivermos amargos e amargurados, enquanto escurecemos os dias dos que partilham caminho connosco.

José é o santo da humildade e da esperança, do amor e da coragem que só o amor dá. Cada pai, marido, trabalhador, crente tem muito mais em comum com ele do que poderia pensar. O que ele fez também está ao nosso alcance! Imitemo-lo no nosso próprio caminho de santidade!

 

Marinha Grande, 19 de março de 2023

Lúcio (também sou José!) Gomes