De onde me é dado?

A expressão deste título, que nos evoca de imediato a figura de Santa Isabel, esposa de Zacarias, poderia muito bem ser dita: “Como é que é possível?…” ou, “não sou merecedora…” Poderia também dizer-se, de forma mais prosaica, “Não consigo acreditar no que estou a ver!…”

Aquela expressão traduz o espanto, a surpresa e a admiração de Isabel por estar a viver um momento que nunca esperava viesse a acontecer e de que tem a percepção nítida de ser único e transcendente. Não o consegue abarcar totalmente, mas fá-la experimentar uma alegria superior à que tivera 6 meses antes, ao sentir-se grávida na sua velhice, alegria que ela certamente julgava não ser possível ultrapassar.

O espanto, a surpresa e a admiração serão igualmente os sentimentos manifestados mais tarde por João Baptista, gerado por Isabel, quando vê aproximar-se Jesus, gerado por Maria, que lhe pede para realizar n’Ele o gesto do arrependimento e da conversão que fazia com as multidões. Surpreendido e admirado, procurando evitar que isso acontecesse, afirma “Donde me é dado?…” com a utilização de outras palavras: “Eu é que preciso de ser baptizado por ti, e tu vens a mim?”

O espanto, a surpresa e a admiração estarão igualmente presentes nas palavras de Zaqueu quando Jesus vai ter com ele e lhe diz que quer entrar e ficar em sua casa. Esses sentimentos de Zaqueu acontecem porque se acha indigno e certamente ter-se-á questionado: “Donde me é dado?…”

Estes episódios, como todos os outros narrados no Evangelho, têm traços comuns entre eles.

É Jesus quem vai ao encontro das pessoas, directa ou indirectamente, causando perplexidade em quem O acolhe, associada a um sentimento de não se ser digno e que causa uma alegria inimaginável antes.

Existe em todas as pessoas de quem Jesus se aproxima uma disponibilidade interior para O acolher e o desejo de serem por Ele encontrados e acolhidos.

Maria, levando Jesus consigo, vai ao encontro de Isabel e esta, com João presente no seu seio, exulta de alegria e, pela acção do Espírito Santo, pressente os sinais da presença de Deus, não se achando merecedora.

Jesus vai ao encontro de João e este, por inspiração interior do Espírito Santo, manifesta a sua pequenez face ao Divino Mestre, não se achando merecedor.

Zaqueu, sedento de Deus para a sua vida, disponível para a acção do Espírito Santo, manifesta a sua alegria no compromisso de acções concretas que irá fazer, por causa do desejo manifestado por Jesus de ser parte da sua vida.
Existem em todos os episódios dois movimentos: o de Jesus e o de cada uma das pessoas.
Sabemos que Jesus vem sempre ao nosso encontro.

Então, cada um de nós é convidado também a ser uma dessas pessoas que o Evangelho relata.
A disponibilidade interior, a sede de Deus, a procura de sentido para a existência, são atitudes que colocam cada um de nós num processo constante de Advento. Um advento pessoal que espera, que anseia, que acolhe e exulta quando encontra o Senhor.
A consciência pessoal que nos diz “Senhor, eu não sou digno que entreis na minha morada!”, a abertura contínua à acção do Espírito Santo, a percepção de que temos a possibilidade de um encontro com Jesus em qualquer ocasião, levam-nos viver num estado contínuo de Advento, cheios de esperança, de expectativa, sedentos de Deus.
A alegria do encontro com o Senhor, aquela alegria interior e profunda que advém do encontro com o transcendente, com o divino, com o Verbo incarnado é indissociável da esperança, da expectativa, da sede de Deus que devemos alimentar e que nos levará a exclamar também: “Donde me é dado?…”

Fernando Brites