A propósito da Reconciliação e da confissão

Reconciliação ou confissão?

O perdão e a reconciliação são sinais de amor! Quando ferimos ou somos feridos por alguém que amamos verdadeiramente, não nos sentimos impacientes por nos reconciliarmos com ele? Não esperamos ansiosamente por ouvir dizer que nos perdoa ou, no caso de sermos nós os autores da ofensa, de lhe pedir perdão e de dizer que o amor e a confiança continuam? Até podemos estar convencidos, mesmo sem nada dizer ou sem nada fazer, que o amor entre vós permanece, mas como são reconfortantes as palavras ou os gestos de cumplicidade ou de ternura que vão confirmar o perdão!

Deus é Amor e como é de amor que se trata quando nos referimos ao perdão dos pecados, acontece o mesmo quando ferimos o Amor de Deus. É verdade que Deus nos perdoa sempre que desejamos o seu perdão; é verdade que Ele não tem necessidade de passar por um homem para nos perdoar… somos nós que temos necessidade dum gesto concreto, duma palavra pronunciada pelo ministro da Igreja que nos restaure na alegria e na confiança reencontrada. Este gesto, esta palavra, é o sacramento da reconciliação (ou da penitência, ou do perdão dos pecados, ou a confissão, segundo as palavras que se escolhem).

Porque me devo confessar?

 Ficamos muitas vezes divididos quando falamos deste sacramento do perdão dos pecados. Actualmente, o homem contemporâneo perdeu a noção ou o sentido profundo do pecado, a palavra evoca o moralismo que dá lições, a autoridade que esmaga a consciência individual e absoluta do homem. Na verdade, a noção de pecado parece hoje opor-se ao respeito pela liberdade humana e ao desabrochar da personalidade. O sentimento de culpa aparece como o resultado maléfico de tabus inconscientes.

No Evangelho, o pecado é visto a partir da iniciativa divina que vem manifestar aos homens a sua misericórdia. Jesus apela constantemente à conversão do homem como condição fundamental para acolher a Boa Nova do Reino (cf. Mc 1, 15), e na sua acção privilegia os pecadores, porque ele não veio para os sãos mas para os pecadores, para os que estão doentes. É por isso mesmo que Ele perdoa ao paralítico (Mc 2, 5), à mulher pecadora (Lc 7, 48), à mulher adúltera (Jo 8, 11), a Zaqueu (Lc 19, 9-10), e finalmente, na Cruz aos seus algozes (Lc 23, 34).

Podemos contemplar a misericórdia de Deus nas parábolas da ovelha perdida ou do filho pródigo (Lc 15) e a gravidade do pecado no facto de Jesus ter afirmado, na Última Ceia, que o seu sangue seria derramado pela remissão (perdão) dos pecados dos discípulos e de todos os homens. O pecado é uma falta de amor que atinge a relação entre o homem e o próprio Deus e por isso reconhecemo-nos pecadores não apenas quando olhamos para nós, mas sobretudo quando nos deixamos olhar por Deus e experimentamos o amor que Ele nos tem.

 Em que consiste o Sacramento da Penitência?

O Sacramento da Penitência, ou confissão, é constituído pelo conjunto de três actos da parte do penitente e pela absolvição por parte do sacerdote. Os actos do penitente são: 1º - o arrependimento dos pecados, ou CONTRIÇÃO; 2º - a CONFISSÃO ou acusação dos pecados ao sacerdote; 3º - o propósito de cumprir a penitência e as obras de REPARAÇÃO. Só os sacerdotes que receberam da autoridade da Igreja a faculdade de absolver, podem perdoar os pecados em nome de Cristo (cf. Catecismo da Igreja católica, 1491-1495).

Aquele que quer obter a reconciliação com Deus e com a Igreja deve confessar ao sacerdote todos os pecados graves que ainda não tiver confessado e de que se lembre, depois de ter examinado cuidadosamente a sua consciência. A confissão das faltas veniais, sem ser, em si, necessária, é, todavia, vivamente recomendada pela Igreja (cf. Catecismo da Igreja católica, 1493).

 

Porquê a necessidade de um Sacerdote?

É uma questão muito frequente. Se Deus nos conhece, não bastaria pedir-lhe perdão pessoalmente, sem recorrer à mediação da Igreja? Não posso simplesmente elevar os olhos para o Céu e pedir perdão a Deus? Na verdade, Jesus quis dar à sua Igreja a missão de perdoar os pecados em seu nome. Jesus prometeu a Pedro e aos Apóstolos o poder de “ligar e desligar” (Mt 16, 19), ou seja, de condenar ou de absolver. Após a Ressurreição, logo que apareceu aos seus discípulos, soprou sobre eles o Espírito Santo e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem vós os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 23). Jesus confere assim aos seus discípulos o poder de perdoar os pecados em seu nome e é por isso que o encontro entre o padre e o penitente exprime o encontro pessoal do pecador com Deus.

 

Algumas passagens Bíblicas sobre o perdão de Deus.

- “O Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados” – Jesus disse ao paralítico: “Homem, os teus pecados estão perdoados”. Os escribas e os fariseus começaram a murmurar, dizendo: “Quem é Este que diz blasfémias? Ninguém pode perdoar os pecados, senão Deus somente”. Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-lhes: “(…) o Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados”. (Lc 5, 20-22.24).

- “Àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” – Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando aos discípulos em casa com as portas fechadas (…) soprou sobre eles, e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos” (Jo 20, 19.22-23).

- “Se confessarmos os nossos pecados. Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados” – Se dissermos que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele que é fiel e justo para nos purificar de toda a iniquidade (…). Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecou, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1Jo 1, 8-9; 2,1).

- “Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não precisam de se arrepender” (Lc 15, 7).

 

Como confessar os pecados?

Normalmente começa-se por preparar a confissão fazendo o exame de consciência e pensando nos pecados que cometemos. Mas é necessário, anteriormente, colocar-se diante de Deus, da Sua Palavra, lendo uma passagem da Escritura. A escuta da Palavra, revelando-nos a misericórdia de Deus, descobre e ilumina, ao mesmo tempo, o nosso próprio pecado.

    Mas o exame de consciência é apenas a primeira etapa. Preparar-se para o perdão de Deus implica a contrição, isto é, reconhecer com humildade que o pecado fere a minha relação com Deus e a minha própria dignidade. É também preparar-se, com os meios que a Igreja coloca à nossa disposição, para vencer as tentações, para tomar resoluções concretas que visem a conversão, a vida nova prometida e oferecida pela Páscoa de Jesus Cristo.

    Muitas vezes somos desencorajados a pedir o perdão de Deus porque nos conhecemos e sabemos que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos a cair no mesmo pecado. É verdade que a confissão não nos garante a conversão automática, mas este sacramento coloca-nos na humildade diante de Deus que nos ama apesar da nossa fraqueza e é por isso que este encontro se torna essencial. O sacramento da reconciliação dá-nos também uma graça especial, uma força de Deus, para nos curar das nossas fraquezas e traz um impulso á nossa caminhada cristã e é por isso que, reconhecendo-nos pecadores e fracos, sentimos a paz e a alegria depois da confissão – experimentamos como Deus é misericordioso e não desiste nunca de nós.

     Depois de fazer o exame de consciência, dirijo-me ao sacerdote e confesso os meus pecados. Depois, escuto com atenção e humildade os seus conselhos e exprimo o meu arrependimento e propósito de reparação rezando o Acto de Contrição. Finalmente, o sacerdote dá-me a absolvição. Saindo do confessionário, cumpro o mais brevemente possível a obra de reparação (penitência) que me foi imposta. Se se trata de alguma oração que devo rezar, faço-o antes de me retirar da Igreja.

 

Como fazer o exame de consciência?

Há muitas propostas de exame de consciência, quer na vasta literatura espiritual da Igreja, quer mesmo nalguns sites. Fica aqui uma proposta para revermos a nossa vida à luz de Deus e da sua misericórdia.

 

I – Há quanto tempo me confessei?

Disse ao confessor todos os meus pecados graves, ou deixei por dizer algum de que me lembrava, por medo ou vergonha?

 

II – Examino o cumprimento das minhas obrigações para com Deus.
Faltei à Missa algum Domingo ou Dia Santo de guarda por culpa própria? Quantas vezes? Deixei algum dia de rezar? Recebi algum sacramento sem estar na graça de Deus?

Alguma vez neguei a fé verdadeira, chegando a afirmar-me ateu ou agnóstico? Tive vergonha de manifestar a minha fé? Se alguma omissão me parece mais grave, contá-la-ei ao sacerdote.

Pratiquei ou aconselhei algum acto de superstição, de bruxaria, ou outras práticas não aconselhadas pela Igreja?

Assisti a alguma reunião de espiritismo, culto de seitas, ou outras manifestações de falsas religiões, procurando noutro lugar a salvação que só Jesus Cristo pode dar através da Santa Igreja e dos Sacramentos? Cheguei a considerar-me membro de outra comunidade, cristã ou não cristã, cometendo assim o pecado de cisma, heresia ou apostasia?

Procurei aprofundar a minha pertença à Igreja, participando das actividades paroquiais ou de algum movimento de obra apostólica? Procurei a formação cristã e a catequese adequada à minha idade e formação? Ou pelo contrário tenho-me afastado da vida da comunidade cristã, vivendo a minha religião de uma forma individualista, sem me preocupar com o crescimento da minha fé cristã?
Contribui para as necessidades da Igreja com as esmolas justas e possíveis? Cumpri as minhas promessas e votos? Guardei o jejum e a abstinência prescritos pela Igreja?

 

III – Faltei à justiça ou à caridade com o próximo?

Como filho, cumpri os meus deveres de amor, respeito, gratidão e obediência justa para com os meus pais, e sendo necessário, de ajuda e amparo? Como marido ou esposa, guardei a fidelidade no matrimónio e cumpri com as minhas obrigações de ajuda mútua, diálogo e partilha de vida do casamento? Como pai ou mãe, educo ou eduquei os filhos com amor e firmeza na obediência à lei de Deus e na pertença à Igreja? Respeitei os superiores, temporais e espirituais?
Cometi alguma falta contra os direitos sagrados da vida: homicídio, aborto, eutanásia, violência contra os outros, suicídio tentado ou planeado, uso de drogas, abuso de álcool, condução imprudente, riscos desnecessários e excessos tomados por aventurismo ou fanfarronice, ou qualquer acção que represente a violação do quinto mandamento da Lei de Deus?

Guardei a castidade? Consenti em maus pensamentos? Participei em conversas indecentes? Pratiquei alguma acção grave contra a castidade (masturbação, relações sexuais fora do casamento, leitura, audição ou visionamento de material pornográfico, práticas homossexuais)? No namora, tenho pedido a ajuda da graça de Deus para levar por diante um relacionamento puro? No casamento, peço a ajuda da graça de Deus para ser fiel e obediente aos ensinamentos da Igreja sobre a regulação dos nascimentos?

Apropriei-me indevidamente de algo que não me pertence?

Fui cumpridor no pagamento das dívidas? Devolvi as coisas emprestadas, ferramentas, utensílios, roupas, livros, etc.? trato de maneira honesta e responsável a questão dos meus impostos? Danifiquei com culpa ou tratei com desleixo os bens alheios ou comuns? Tenho sido cumpridor dos meus deveres profissionais, trabalhando esforçadamente e obedecendo às indicações legítimas dos meus superiores? Se sou dador de trabalho ou dirigente, tenho sido justo com os meus subordinados, tratando-os com respeito e pagando-lhes o justo salário? Como estudante, cumpro as minhas obrigações, estudando com afinco e prestando provas com honestidade ou tenho “cabulado”?
Falei sempre a verdade? Prestei falso testemunho em juízo? Enganei os outros, prejudicando-os? Caluniei alguém? Ou, mesmo que não mentindo, disse mal de alguém sem verdadeira necessidade?

 

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA O VII DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII Domingo do Tempo Comum
19 de novembro de 2023

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7)

 

1. O Dia Mundial dos Pobres, sinal fecundo da misericórdia do Pai, vem pela sétima vez alentar o caminho das nossas comunidades. Trata-se duma ocorrência que se está a radicar progressivamente na pastoral da Igreja, fazendo-a descobrir cada vez mais o conteúdo central do Evangelho. Empenhamo-nos todos os dias no acolhimento dos pobres, mas não basta; a pobreza permeia as nossas cidades como um rio que engrossa sempre mais até extravasar; e parece submergir-nos, pois o grito dos irmãos e irmãs que pedem ajuda, apoio e solidariedade ergue-se cada vez mais forte. Por isso, no domingo que antecede a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, reunimo-nos ao redor da sua Mesa para voltar a receber d’Ele o dom e o compromisso de viver a pobreza e servir os pobres.

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7). Esta recomendação ajuda-nos a compreender a essência do nosso testemunho. Deter-se no Livro de Tobite, um texto pouco conhecido do Antigo Testamento, eloquente e cheio de sabedoria, permitir-nos-á penetrar melhor no conteúdo que o autor sagrado deseja transmitir. Abre-se diante de nós uma cena de vida familiar: um pai, Tobite, despede-se do filho, Tobias, que está prestes a iniciar uma longa viagem. O velho Tobite teme não voltar a ver o filho e, por isso, deixa-lhe o seu «testamento espiritual». Foi deportado para Nínive e agora está cego; é, por conseguinte, duplamente pobre, mas sempre viveu com a certeza que o próprio nome exprime: «O Senhor foi o meu bem». Este homem que sempre confiou no Senhor, deseja, como um bom pai, deixar ao filho não tanto bens materiais, mas sobretudo o testemunho do caminho que há de seguir na vida. Por isso diz-lhe: «Lembra-te sempre, filho, do Senhor, nosso Deus, em todos os teus dias, evita o pecado e observa os seus mandamentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da injustiça» (Tb 4, 5).

2. Como salta à vista, a recordação, que o velho Tobite pede ao filho para guardar, não se reduz simplesmente a um ato da memória nem a uma oração dirigida a Deus. Faz referência a gestos concretos, que consistem em praticar boas obras e viver com justiça. E a exortação torna-se ainda mais específica: «Dá esmolas, conforme as tuas posses. Nunca afastes de algum pobre o teu olhar, e nunca se afastará de ti o olhar de Deus» (Tb 4, 7).

Muito surpreendem as palavras deste velho sábio. Não esqueçamos, de facto, que Tobite perdeu a vista precisamente depois de ter praticado um ato de misericórdia. Como ele próprio conta, desde a juventude que se dedicou a obras de caridade, «dando muitas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive (…), fornecendo pão aos esfomeados e vestindo os nus e, se encontrava morto alguém da minha linhagem, atirado para junto dos muros de Nínive, dava-lhe sepultura» (Tb 1, 3.17).

Por causa deste seu testemunho de caridade, viu-se privado de todos os seus bens pelo rei, ficando na pobreza completa. Mas, o Senhor precisava ainda dele! Foi-lhe devolvido o seu lugar de administrador e ele não teve medo de continuar o seu estilo de vida. Ouçamos a sua história, que hoje nos fala também a nós: «Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: “Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho”» (Tb 2, 1-2). Como seria significativo se, no Dia dos Pobres, esta preocupação de Tobite fosse também a nossa! Ou seja, convidar para partilhar o almoço dominical, depois de ter partilhado a Mesa Eucarística. A Eucaristia celebrada tornar-se-ia realmente critério de comunhão. Aliás, se ao redor do altar do Senhor temos consciência de sermos todos irmãos e irmãs, quanto mais visível se tornaria esta fraternidade, compartilhando a refeição festiva com quem carece do necessário!

Tobias fez como o pai lhe dissera, mas voltou com a notícia de que um pobre fora morto e deixado no meio da praça. Sem hesitar, o velho Tobite levantou-se da mesa e foi enterrar aquele homem. Voltando cansado para casa, adormeceu no pátio; caíram-lhe nos olhos excrementos de pássaros, e ficou cego (cf. Tb 2, 1-10). Ironia do destino! Pratica um gesto de caridade e sucede-lhe uma desgraça... Apetece-nos pensar assim, mas a fé ensina-nos a ir mais a fundo. A cegueira de Tobite tornar-se-á a sua força para reconhecer ainda melhor tantas formas de pobreza ao seu redor. E, mais tarde, o Senhor providenciará a devolver ao velho pai a vista e a alegria de rever o filho Tobias. Quando chegou este momento, «Tobite lançou-se-lhe ao pescoço e, chorando, disse: “Vejo-te, filho, tu que és a luz dos meus olhos!” E continuou: “Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome! Benditos os seus santos anjos! Que seu nome esteja sobre nós e benditos sejam todos os seus anjos, pelos séculos sem fim! Ele puniu-me, mas eis que volto a ver Tobias, o meu filho”» (Tb 11, 13-14).

3. Podemos questionar-nos: Donde tira Tobite a coragem e a força interior que lhe permitem servir a Deus no meio dum povo pagão e amar o próximo até ao ponto de pôr em risco a própria vida? Estamos diante dum exemplo extraordinário: Tobite é um marido fiel e um pai carinhoso; foi deportado para longe da sua terra e sofre injustamente; é perseguido pelo rei e pelos vizinhos de casa... Apesar de ânimo tão bom, é posto à prova. Como muitas vezes nos ensina a Sagrada Escritura, Deus não poupa as provações a quem pratica o bem. E porquê? Não o faz para nos humilhar, mas para tornar firme a nossa fé n’Ele.

Tobite, no período da provação, descobre a própria pobreza, que o torna capaz de reconhecer os pobres. É fiel à Lei de Deus e observa os mandamentos, mas para ele isto não basta. A solicitude operosa para com os pobres torna-se-lhe possível, porque experimentou a pobreza na própria pele. Por isso, as palavras que dirige ao filho Tobias constituem a sua verdadeira herança: «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7). Enfim, quando nos deparamos com um pobre, não podemos virar o olhar para o lado oposto, porque impediríamos a nós próprios de encontrar o rosto do Senhor Jesus. E notemos bem aquela expressão «de algum pobre», de todo o pobre. Cada um deles é nosso próximo. Não importa a cor da pele, a condição social, a proveniência... Se sou pobre, posso reconhecer de verdade quem é o irmão que precisa de mim. Somos chamados a ir ao encontro de todo o pobre e de todo o tipo de pobreza, sacudindo de nós mesmos a indiferença e a naturalidade com que defendemos um bem-estar ilusório.

4. Vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto, enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza. Tende-se a ignorar tudo o que não se enquadre nos modelos de vida pensados sobretudo para as gerações mais jovens, que são as mais frágeis perante a mudança cultural em curso. Coloca-se entre parênteses aquilo que é desagradável e causa sofrimento, enquanto se exaltam as qualidades físicas como se fossem a meta principal a alcançar. A realidade virtual sobrepõe-se à vida real, e acontece cada vez mais facilmente confundirem-se os dois mundos. Os pobres tornam-se imagens que até podem comover por alguns momentos, mas quando os encontramos em carne e osso pela estrada, sobrevêm o fastídio e a marginalização. A pressa, companheira diária da vida, impede de parar, socorrer e cuidar do outro. A parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar a outros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão.

5. Damos graças ao Senhor porque há tantos homens e mulheres que vivem a dedicação aos pobres e excluídos e a partilha com eles; pessoas de todas as idades e condições sociais que praticam a hospitalidade e se empenham junto daqueles que se encontram em situações de marginalização e sofrimento. Não são super-homens, mas «vizinhos de casa» que encontramos cada dia e que, no silêncio, se fazem pobres com os pobres. Não se limitam a dar qualquer coisa: escutam, dialogam, procuram compreender a situação e as suas causas, para dar conselhos adequados e indicações justas. Estão atentos tanto à necessidade material como à espiritual, ou seja, à promoção integral da pessoa. O Reino de Deus torna-se presente e visível neste serviço generoso e gratuito; é realmente como a semente que caiu na boa terra da vida destas pessoas, e dá fruto (cf. Lc 8, 4-15). A gratidão a tantos voluntários deve fazer-se oração para que o seu testemunho possa ser fecundo.

6. No 60º aniversário da Encíclica Pacem in terris, é urgente retomar as palavras do Santo Papa João XXIII quando escrevia: «O ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente a nutrição, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí, que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes da sua vontade» (n. 11).

Quanto trabalho temos ainda pela frente para tornar realidade estas palavras, inclusive através dum sério e eficaz empenho político e legislativo! Não obstante os limites e por vezes as lacunas da política para ver e servir o bem comum, possa desenvolver-se a solidariedade e a subsidiariedade de muitos cidadãos que acreditam no valor do empenho voluntário de dedicação aos pobres. Isto, naturalmente sem deixar de estimular e fazer pressão para que as instituições públicas cumpram do melhor modo possível o seu dever. Mas não adianta ficar passivamente à espera de receber tudo «do alto». E, quem vive em condição de pobreza, seja também envolvido e apoiado num processo de mudança e responsabilização.

7. Mais uma vez, infelizmente, temos de constatar novas formas de pobreza que se vêm juntar às outras descritas já anteriormente. Penso de modo particular nas populações que vivem em cenários de guerra, especialmente nas crianças privadas dum presente sereno e dum futuro digno. Ninguém poderá jamais habituar-se a esta situação; mantenhamos viva toda a tentativa para que a paz se afirme como dom do Senhor Ressuscitado e fruto do empenho pela justiça e o diálogo.

Não posso esquecer as especulações, em vários setores, que levam a um aumento dramático dos preços, deixando muitas famílias numa indigência ainda maior. Os salários esgotam-se rapidamente, forçando a privações que atentam contra a dignidade de cada pessoa. Se, numa família, se tem de escolher entre o alimento para se nutrir e os remédios para se curar, então deve fazer-se ouvir a voz de quem clama pelo direito a ambos os bens, em nome da dignidade da pessoa humana.

Além disso, como não assinalar a desordem ética que marca o mundo do trabalho? O tratamento desumano reservado a muitos trabalhadores e trabalhadoras; a remuneração não equivalente ao trabalho realizado; o flagelo da precariedade; as demasiadas vítimas de incidentes, devidos muitas vezes à mentalidade que privilegia o lucro imediato em detrimento da segurança... Voltam à mente as palavras de São João Paulo II: «O primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem. (...) O homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo antes de mais nada o trabalho é “para o homem”, e não o homem “para o trabalho”» (Enc. Laborem exercens, 6).

8. Este elenco, já em si mesmo dramático, dá conta apenas de modo parcial das situações de pobreza que fazem parte da nossa vida diária. Não posso deixar de fora, em particular, uma forma de mal-estar que aparece cada dia mais evidente e que atinge o mundo juvenil. Quantas vidas frustradas e até suicídios de jovens, iludidos por uma cultura que os leva a sentirem-se «inacabados» e «falidos». Ajudemo-los a reagir a estas instigações nocivas, para que cada um possa encontrar a estrada que deve seguir para adquirir uma identidade forte e generosa.

É fácil cair na retórica, quando se fala dos pobres. Tentação insidiosa é também parar nas estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles.

O Livro de Tobias ensina-nos a ser concretos no nosso agir com e pelos pobres. É uma questão de justiça que nos obriga a todos a procurar-nos e encontrar-nos reciprocamente, favorecendo a harmonia necessária para que uma comunidade se possa identificar como tal. Portanto, interessar-se pelos pobres não se esgota em esmolas apressadas; pede para restabelecer as justas relações interpessoais que foram afetadas pela pobreza. Assim «não afastar o olhar do pobre» leva a obter os benefícios da misericórdia, da caridade que dá sentido e valor a toda a vida cristã.

9. Que a nossa solicitude pelos pobres seja sempre marcada pelo realismo evangélico. A partilha deve corresponder às necessidades concretas do outro, e não ao meu supérfluo de que me quero libertar. Também aqui é preciso discernimento, sob a guia do Espírito Santo, para distinguir as verdadeiras exigências dos irmãos do que constitui as nossas aspirações. Aquilo de que seguramente têm urgente necessidade é da nossa humanidade, do nosso coração aberto ao amor. Não esqueçamos: «Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 198). A fé ensina-nos que todo o pobre é filho de Deus e que, nele ou nela, está presente Cristo: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).

10. Este ano completam-se 150 anos do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus. Numa página da sua História de uma alma, deixou escrito: «Compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em edificar-se com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vir praticar; mas compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: “Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas coloca-a sobre o candelabro para alumiar todos os que estão em casa”. Creio que essa luz representa a caridade, que deve iluminar e alegrar, não só os que são mais queridos, mas todos aqueles que estão na casa, sem excetuar ninguém» (Manuscrito C, 12rº: História de uma alma, Avessadas 2005, 255-256).

Nesta casa que é o mundo, todos têm direito de ser iluminados pela caridade, ninguém pode ser privado dela. Possa a tenacidade do amor de Santa Teresinha inspirar os nossos corações neste Dia Mundial, ajudar-nos a «nunca afastar de algum pobre o olhar» e a mantê-lo sempre fixo no rosto humano e divino do Senhor Jesus Cristo.

Roma – São João de Latrão, na Memória de Santo António, Patrono dos pobres, 13 de junho de 2023.

FRANCISCO

CARTA APOSTÓLICA
ADMIRABILE SIGNUM
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O SIGNIFICADO E VALOR DO PRESÉPIO

1. O SINAL ADMIRÁVEL do Presépio, muito amado pelo povo cristão, não cessa de suscitar maravilha e enlevo. Representar o acontecimento da natividade de Jesus equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade d’Aquele que Se fez homem a fim de Se encontrar com todo o homem, e a descobrir que nos ama tanto, que Se uniu a nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele.

Com esta Carta, quero apoiar a tradição bonita das nossas famílias prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças… Trata-se verdadeiramente dum exercício de imaginação criativa, que recorre aos mais variados materiais para produzir, em miniatura, obras-primas de beleza. Aprende-se em criança, quando o pai e a mãe, juntamente com os avós, transmitem este gracioso costume, que encerra uma rica espiritualidade popular. Almejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar.

2. A origem do Presépio fica-se a dever, antes de mais nada, a alguns pormenores do nascimento de Jesus em Belém, referidos no Evangelho. O evangelista Lucas limita-se a dizer que, tendo-se completado os dias de Maria dar à luz, «teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (2, 7). Jesus é colocado numa manjedoura, que, em latim, se diz praesepium, donde vem a nossa palavra presépio.

Ao entrar neste mundo, o Filho de Deus encontra lugar onde os animais vão comer. A palha torna-se a primeira enxerga para Aquele que Se há de revelar como «o pão vivo, o que desceu do céu» (Jo6, 51). Uma simbologia, que já Santo Agostinho, a par doutros Padres da Igreja, tinha entrevisto quando escreveu: «Deitado numa manjedoura, torna-Se nosso alimento».[1]Na realidade, o Presépio inclui vários mistérios da vida de Jesus, fazendo-os aparecer familiares à nossa vida diária.

Passemos agora à origem do Presépio, tal como nós o entendemos. A mente leva-nos a Gréccio, na Valada de Rieti; aqui se deteve São Francisco, provavelmente quando vinha de Roma onde recebera, do Papa Honório III, a aprovação da sua Regra em 29 de novembro de 1223. Aquelas grutas, depois da sua viagem à Terra Santa, faziam-lhe lembrar de modo particular a paisagem de Belém. E é possível que, em Roma, o «Poverello» de Assis tenha ficado encantado com os mosaicos, na Basílica de Santa Maria Maior, que representam a natividade de Jesus e se encontram perto do lugar onde, segundo uma antiga tradição, se conservam precisamente as tábuas da manjedoura.

As Fontes Franciscanas narram, de forma detalhada, o que aconteceu em Gréccio. Quinze dias antes do Natal, Francisco chamou João, um homem daquela terra, para lhe pedir que o ajudasse a concretizar um desejo: «Quero representar o Menino nascido em Belém, para de algum modo ver com os olhos do corpo os incómodos que Ele padeceu pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido, tendo sido reclinado na palha duma manjedoura, entre o boi e o burro».[2]Mal acabara de o ouvir, o fiel amigo foi preparar, no lugar designado, tudo o que era necessário segundo o desejo do Santo. No dia 25 de dezembro, chegaram a Gréccio muitos frades, vindos de vários lados, e também homens e mulheres das casas da região, trazendo flores e tochas para iluminar aquela noite santa. Francisco, ao chegar, encontrou a manjedoura com palha, o boi e o burro. À vista da representação do Natal, as pessoas lá reunidas manifestaram uma alegria indescritível, como nunca tinham sentido antes. Depois o sacerdote celebrou solenemente a Eucaristia sobre a manjedoura, mostrando também deste modo a ligação que existe entre a Encarnação do Filho de Deus e a Eucaristia. Em Gréccio, naquela ocasião, não havia figuras; o Presépio foi formado e vivido pelos que estavam presentes.[3]

Assim nasce a nossa tradição: todos à volta da gruta e repletos de alegria, sem qualquer distância entre o acontecimento que se realiza e as pessoas que participam no mistério.

O primeiro biógrafo de São Francisco, Tomás de Celano, lembra que naquela noite, à simples e comovente representação se veio juntar o dom duma visão maravilhosa: um dos presentes viu que jazia na manjedoura o próprio Menino Jesus. Daquele Presépio do Natal de 1223, «todos voltaram para suas casas cheios de inefável alegria»[4].

3. Com a simplicidade daquele sinal, São Francisco realizou uma grande obra de evangelização. O seu ensinamento penetrou no coração dos cristãos, permanecendo até aos nossos dias como uma forma genuína de repropor, com simplicidade, a beleza da nossa fé. Aliás, o próprio lugar onde se realizou o primeiro Presépio sugere e suscita estes sentimentos. Gréccio torna-se um refúgio para a alma que se esconde na rocha, deixando-se envolver pelo silêncio.

Por que motivo suscita o Presépio tanto enlevo e nos comove? Antes de mais nada, porque manifesta a ternura de Deus. Ele, o Criador do universo, abaixa-Se até à nossa pequenez. O dom da vida, sempre misterioso para nós, fascina-nos ainda mais ao vermos que Aquele que nasceu de Maria é a fonte e o sustento de toda a vida. Em Jesus, o Pai deu-nos um irmão, que vem procurar-nos quando estamos desorientados e perdemos o rumo, e um amigo fiel, que está sempre ao nosso lado; deu-nos o seu Filho, que nos perdoa e levanta do pecado.

Armar o Presépio em nossas casas ajuda-nos a reviver a história sucedida em Belém. Naturalmente os Evangelhos continuam a ser a fonte, que nos permite conhecer e meditar aquele Acontecimento; mas, a sua representação no Presépio ajuda a imaginar as várias cenas, estimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais.

De modo particular, desde a sua origem franciscana, o Presépio é um convite a «sentir», a «tocar» a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à Cruz, e um apelo ainda a encontrá-Lo e servi-Lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados (cf. Mt 25, 31-46).

4. Gostava agora de repassar os vários sinais do Presépio para apreendermos o significado que encerram. Em primeiro lugar, representamos o céu estrelado na escuridão e no silêncio da noite. Fazemo-lo não apenas para ser fiéis às narrações do Evangelho, mas também pelo significado que possui. Pensemos nas vezes sem conta que a noite envolve a nossa vida. Pois bem, mesmo em tais momentos, Deus não nos deixa sozinhos, mas faz-Se presente para dar resposta às questões decisivas sobre o sentido da nossa existência: Quem sou eu? Donde venho? Por que nasci neste tempo? Por que amo? Por que sofro? Por que hei de morrer? Foi para dar uma resposta a estas questões que Deus Se fez homem. A sua proximidade traz luz onde há escuridão, e ilumina a quantos atravessam as trevas do sofrimento (cf. Lc 1, 79).

Merecem também uma referência as paisagens que fazem parte do Presépio; muitas vezes aparecem representadas as ruínas de casas e palácios antigos que, nalguns casos, substituem a gruta de Belém tornando-se a habitação da Sagrada Família. Parece que estas ruínas se inspiram na Legenda Áurea, do dominicano Jacopo de Varazze (século XIII), onde se refere a crença pagã segundo a qual o templo da Paz, em Roma, iria desabar quando desse à luz uma Virgem. Aquelas ruínas são sinal visível sobretudo da humanidade decaída, de tudo aquilo que cai em ruína, que se corrompe e definha. Este cenário diz que Jesus é a novidade no meio dum mundo velho, e veio para curar e reconstruir, para reconduzir a nossa vida e o mundo ao seu esplendor originário.

5. Uma grande emoção se deveria apoderar de nós, ao colocarmos no Presépio as montanhas, os riachos, as ovelhas e os pastores! Pois assim lembramos, como preanunciaram os profetas, que toda a criação participa na festa da vinda do Messias. Os anjos e a estrela-cometa são o sinal de que também nós somos chamados a pôr-nos a caminho para ir até à gruta adorar o Senhor.

«Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer» (Lc 2, 15): assim falam os pastores, depois do anúncio que os anjos lhes fizeram. É um ensinamento muito belo, que nos é dado na simplicidade da descrição. Ao contrário de tanta gente ocupada a fazer muitas outras coisas, os pastores tornam-se as primeiras testemunhas do essencial, isto é, da salvação que nos é oferecida. São os mais humildes e os mais pobres que sabem acolher o acontecimento da Encarnação. A Deus, que vem ao nosso encontro no Menino Jesus, os pastores respondem, pondo-se a caminho rumo a Ele, para um encontro de amor e de grata admiração. É precisamente este encontro entre Deus e os seus filhos, graças a Jesus, que dá vida à nossa religião e constitui a sua beleza singular, que transparece de modo particular no Presépio.

6. Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração. Também estas figuras estão próximas do Menino Jesus de pleno direito, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las dum berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente. Antes, os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós.

No Presépio, os pobres e os simples lembram-nos que Deus Se faz homem para aqueles que mais sentem a necessidade do seu amor e pedem a sua proximidade. Jesus, «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29), nasceu pobre, levou uma vida simples, para nos ensinar a identificar e a viver do essencial. Do Presépio surge, clara, a mensagem de que não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade. Como pano de fundo, aparece o palácio de Herodes, fechado, surdo ao jubiloso anúncio. Nascendo no Presépio, o próprio Deus dá início à única verdadeira revolução que dá esperança e dignidade aos deserdados, aos marginalizados: a revolução do amor, a revolução da ternura. Do Presépio, com meiga força, Jesus proclama o apelo à partilha com os últimos como estrada para um mundo mais humano e fraterno, onde ninguém seja excluído e marginalizado.

Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho. Contudo esta imaginação pretende expressar que, neste mundo novo inaugurado por Jesus, há espaço para tudo o que é humano e para toda a criatura. Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam… tudo isso representa a santidade do dia a dia, a alegria de realizar de modo extraordinário as coisas de todos os dias, quando Jesus partilha connosco a sua vida divina.

7. A pouco e pouco, o Presépio leva-nos à gruta, onde encontramos as figuras de Maria e de José. Maria é uma mãe que contempla o seu Menino e O mostra a quantos vêm visitá-Lo. A sua figura faz pensar no grande mistério que envolveu esta jovem, quando Deus bateu à porta do seu coração imaculado. Ao anúncio do anjo que Lhe pedia para Se tornar a mãe de Deus, Maria responde com obediência plena e total. As suas palavras – «eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38) – são, para todos nós, o testemunho do modo como abandonar-se, na fé, à vontade de Deus. Com aquele «sim», Maria tornava-Se mãe do Filho de Deus, sem perder – antes, graças a Ele, consagrando – a sua virgindade. N’Ela, vemos a Mãe de Deus que não guarda o seu Filho só para Si mesma, mas pede a todos que obedeçam à palavra d’Ele e a ponham em prática (cf. Jo 2, 5).

Ao lado de Maria, em atitude de quem protege o Menino e sua mãe, está São José. Geralmente, é representado com o bordão na mão e, por vezes, também segurando um lampião. São José desempenha um papel muito importante na vida de Jesus e Maria. É o guardião que nunca se cansa de proteger a sua família. Quando Deus o avisar da ameaça de Herodes, não hesitará a pôr-se em viagem emigrando para o Egito (cf. Mt 2, 13-15). E depois, passado o perigo, reconduzirá a família para Nazaré, onde será o primeiro educador de Jesus, na sua infância e adolescência. José trazia no coração o grande mistério que envolvia Maria, sua esposa, e Jesus; homem justo que era, sempre se entregou à vontade de Deus e pô-la em prática.

8. O coração do Presépio começa a palpitar, quando colocamos lá, no Natal, a figura do Menino Jesus. Assim Se nos apresenta Deus, num menino, para fazer-Se acolher nos nossos braços. Naquela fraqueza e fragilidade, esconde o seu poder que tudo cria e transforma. Parece impossível, mas é assim: em Jesus, Deus foi criança e, nesta condição, quis revelar a grandeza do seu amor, que se manifesta num sorriso e nas suas mãos estendidas para quem quer que seja.

O nascimento duma criança suscita alegria e encanto, porque nos coloca perante o grande mistério da vida. Quando vemos brilhar os olhos dos jovens esposos diante do seu filho recém-nascido, compreendemos os sentimentos de Maria e José que, olhando o Menino Jesus, entreviam a presença de Deus na sua vida.

«De facto, a vida manifestou-se» (1 Jo 1, 2): assim o apóstolo João resume o mistério da Encarnação. O Presépio faz-nos ver, faz-nos tocar este acontecimento único e extraordinário que mudou o curso da história e a partir do qual também se contam os anos, antes e depois do nascimento de Cristo.

O modo de agir de Deus quase cria vertigens, pois parece impossível que Ele renuncie à sua glória para Se fazer homem como nós. Que surpresa ver Deus adotar os nossos próprios comportamentos: dorme, mama ao peito da mãe, chora e brinca, como todas as crianças. Como sempre, Deus gera perplexidade, é imprevisível, aparece continuamente fora dos nossos esquemas. Assim o Presépio, ao mesmo tempo que nos mostra Deus tal como entrou no mundo, desafia-nos a imaginar a nossa vida inserida na de Deus; convida a tornar-nos seus discípulos, se quisermos alcançar o sentido último da vida.

9. Quando se aproxima a festa da Epifania, colocam-se no Presépio as três figuras dos Reis Magos. Tendo observado a estrela, aqueles sábios e ricos senhores do Oriente puseram-se a caminho rumo a Belém para conhecer Jesus e oferecer-Lhe de presente ouro, incenso e mirra. Estes presentes têm também um significado alegórico: o ouro honra a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade; a mirra, a sua humanidade sagrada que experimentará a morte e a sepultura.

Ao fixarmos esta cena no Presépio, somos chamados a refletir sobre a responsabilidade que cada cristão tem de ser evangelizador. Cada um de nós torna-se portador da Boa-Nova para as pessoas que encontra, testemunhando a alegria de ter conhecido Jesus e o seu amor; e fá-lo com ações concretas de misericórdia.

Os Magos ensinam que se pode partir de muito longe para chegar a Cristo: são homens ricos, estrangeiros sábios, sedentos de infinito, que saem para uma viagem longa e perigosa e que os leva até Belém (cf. Mt 2, 1-12). À vista do Menino Rei, invade-os uma grande alegria. Não se deixam escandalizar pela pobreza do ambiente; não hesitam em pôr-se de joelhos e adorá-Lo. Diante d’Ele compreendem que Deus, tal como regula com soberana sabedoria o curso dos astros, assim também guia o curso da história, derrubando os poderosos e exaltando os humildes. E de certeza, quando regressaram ao seu país, falaram deste encontro surpreendente com o Messias, inaugurando a viagem do Evangelho entre os gentios.

10. Diante do Presépio, a mente corre de bom grado aos tempos em que se era criança e se esperava, com impaciência, o tempo para começar a construí-lo. Estas recordações induzem-nos a tomar consciência sempre de novo do grande dom que nos foi feito, transmitindo-nos a fé; e ao mesmo tempo, fazem-nos sentir o dever e a alegria de comunicar a mesma experiência aos filhos e netos. Não é importante a forma como se arma o Presépio; pode ser sempre igual ou modificá-la cada ano. O que conta, é que fale à nossa vida. Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que Se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre.

Queridos irmãos e irmãs, o Presépio faz parte do suave e exigente processo de transmissão da fé. A partir da infância e, depois, em cada idade da vida, educa-nos para contemplar Jesus, sentir o amor de Deus por nós, sentir e acreditar que Deus está connosco e nós estamos com Ele, todos filhos e irmãos graças àquele Menino Filho de Deus e da Virgem Maria. E educa para sentir que nisto está a felicidade. Na escola de São Francisco, abramos o coração a esta graça simples, deixemos que do encanto nasça uma prece humilde: o nosso «obrigado» a Deus, que tudo quis partilhar connosco para nunca nos deixar sozinhos.

Dado em Gréccio, no Santuário do Presépio, a 1 de dezembro de 2019, sétimo do meu pontificado.

Franciscus

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

O que é o Corpo de Deus?

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É o nome que vulgarmente se dá à solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, a qual é celebrada pela Igreja 60 dias depois da Páscoa, na quinta-feira que se segue à Solenidade da Santíssima Trindade. A sua celebração pretende sublinhar o significado e a importância do sacramento da Eucaristia para a vida cristã.

Quando e porque se instituiu esta solenidade?

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Foi instituída pelo Papa Urbano IV, em 1264. Surgiu como resposta, por um lado às heresias que colocavam em causa a presença real de Cristo na Eucaristia e, por outro, ao movimento de devoção ao Santíssimo Sacramento que se tinha vindo a intensificar na prática dos fiéis. É de destacar a importância da Santa Juliana de Cornillon (também conhecida como Santa Juliana de Liège), cujas visões místicas apelavam a esta devoção e invocavam a instituição desta festa litúrgica. Esta solenidade foi recebendo várias denominações ao longo do tempo.

Porque se celebra o Corpo de Deus?

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A comunidade cristã é convocada para, como corpo, reafirmar a sua fé no mistério que se celebra no sacramento da Eucaristia. A Eucaristia é a memória e a atualização do mistério pascal, ou seja, da morte e ressurreição de Jesus, que comunicando o amor que Deus é, concede a salvação a toda a humanidade. Nas palavras de Bento XVI, na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis, o mistério eucarístico «é a doação que Jesus Cristo faz de si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem». É a contemplação deste mistério que, neste dia em particular, pretende suscitar em toda a comunidade adoração, louvor e agradecimento por este dom de amor, que é a fonte e o centro de toda a vida cristã.

Se a Eucaristia é celebrada todos os dias, e a cada domingo de forma especial, qual o sentido desta festa?

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Esta festa convida os fiéis a deterem-se, mais demorada e profundamente, no mistério que celebram e que é o centro vital da sua vida crente, renovando a sua profissão de fé em Cristo que está vivo e presente neste sacramento. O próprio Papa Urbano IV, na Bula Transiturus de hoc Mundo, na qual institui esta celebração, sublinha que: «Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião, é justo, que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória».

Porque é que esta festa se celebra à quinta-feira?

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Sempre que possível é celebrada numa quinta-feira, para unir esta festividade à memória da Quinta-feira Santa, dia da instituição da Sagrada Eucaristia na última Ceia de Jesus com os Seus Apóstolos. Quando tal não é possível, é transferida para o domingo seguinte.

A Igreja recomenda que esta celebração culmine com uma procissão que percorra as ruas da cidade. Qual o seu significado?

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Esta procissão é uma prática ritual antiga que pretende ser uma expressão pública da devoção ao Santíssimo Sacramento, ou seja, ser um testemunho de fé na presença real e pessoal de Cristo nas espécies eucarísticas, no pão e no vinho. Esta presença, pela comunhão e graça do Espírito Santo, torna-se viva na vida dos crentes, como dom de amor, que salva e liberta, levando-os a transformarem as suas vidas em nome deste amor que os habita. Por outro lado, percorrendo as ruas por onde passa o dia-a-dia de tantas pessoas, esta procissão mostra-nos que Senhor nos acompanha em cada um dos nossos caminhos.

Que aspetos da fé cristã têm sido sublinhados na celebração desta solenidade nos últimos anos?

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Surgem como notas dominantes na pregação dos últimos papas: o amor de caridade, a comunhão, a universalidade e a unidade.Ao relembrarem a centralidade da Eucaristia na vida cristã, como sacramento onde se celebra a entrega de Jesus por amor à humanidade, para a sua salvação, surge o convite a acolher este amor e a viver o dia-a-dia em seu nome, procurando amar, todos e cada um, como Jesus amou. Surge, também, o convite a tomar consciência de que é como um corpo que a Igreja acolhe a graça deste sacramento, e não individualmente, a qual predispõe a comunidade a viver numa atitude de comunhão, de união e de anúncio permanente, que não a leva a fechar-se em de si mesma, mas a abrir-se ao serviço de todas as mulheres e homens do mundo.

Joana Viana Lopes

Aniversário da Diocese de Leiria-Fátima

Em Julho de 1543, vagava o bispado de Coimbra, pelo falecimento de D. Jorge de Almeida, ao fim de 60 longos anos de episcopado e, a 11 de Novembro, o mesmo sucedia no arcebispado de Braga, por falecimento do infante D. Duarte, filho de D. João III, eleito no ano anterior. D. João III, aproveitando esta oportunidade, deu instruções ao seu embaixador na corte de Roma, Baltazar de Faria, para que os dois bispados fossem divididos, antes de serem novamente providos. No caso de Coimbra, dava-se a circunstância de o priorado de Santa Cruz deter na vila de Leiria e seu termo rendas eclesiásticas, julgadas suficientes para a erecção de um bispado. De facto, “a vila de Leiria é uma das notáveis vilas e de grande povoação do reino de Portugal, em que há igrejas grandes e mosteiros de religiosos, e principalmente há uma igreja principal de prior e muitos beneficiados, à qual são anexas todas as igrejas da dita vila e termo”. Pela bula “Pro excellenti”, de 22 de Maio de 1545, o Papa Paulo III criava a Diocese de Leiria, separando-a de Coimbra e do priorado-mor do mosteiro de Santa Cruz da mesma cidade; erigia a igreja de Santa Maria da Pena em catedral; e integrava a nova Diocese na província eclesiástica de Lisboa. Noutra bula da mesma data, o Papa recomendava ao rei o novo bispo, D. Frei Brás de Barros, e unia à mesa capitular de Leiria as rendas da igreja de Santa Maria e suas anexas, sujeitas até então ao priorado-mor de Santa Cruz de Coimbra. A 13 de Junho do mesmo ano, D. João III, na sequência dos actos pontifícios que ele próprio solicitara, dois anos antes, elevava a vila de Leiria à categoria de cidade. A Diocese de Leiria foi criada com dez paróquias ou quase-paróquias, directamente dependentes dos Crúzios de Coimbra: na vila, vindas do século XII, Santa Maria da Pena, a matriz, S. Pedro, S. Tiago, S. Estêvão, S. Martinho; no termo, Paredes (criada em data que se ignora, transferida provisoriamente para o lugar de Pataias, em 1536, e definitivamente, para o mesmo lugar, em 1542), Reguengo (desmembrada de S. Martinho, em 1512), Batalha (de S. Estêvão, em 1512), Monte Real (de S. Tiago, em 1512) e Maceira (de S. Estêvão, em 1517); e mais cinco que dependiam da jurisdição diocesana do bispo de Coimbra, embora fossem assistidas pastoralmente pelos mesmos Crúzios: Colmeias, Vermoil, S. Simão de Litém, Espite e Souto da Carpalhosa (todas já existentes, pelo menos, em 1211).

 Vocação: graça e missão

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O 60º DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES

(30 de abril de 2023 - IV Domingo de Páscoa)

Amados irmãos e irmãs, queridos jovens!

É a sexagésima vez que se celebra o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, instituído por São Paulo VI em 1964, durante o Concílio Ecuménico Vaticano II. Esta providencial iniciativa visa ajudar os membros do Povo de Deus a responder, pessoalmente e em comunidade, à chamada e à missão que o Senhor confia a cada um no mundo de hoje, com as suas feridas e as suas esperanças, os seus desafios e as suas conquistas.

Neste ano, proponho-vos refletir e rezar guiados pelo tema «Vocação: graça e missão». É uma preciosa ocasião para redescobrir, maravilhados, que a chamada do Senhor é graça, dom gratuito e, ao mesmo tempo, é empenho de partir, sair para levar o Evangelho. Somos chamados a uma fé testemunhada, que estreita fortemente o vínculo entre a vida da graça, através dos Sacramentos e da comunhão eclesial, e o apostolado no mundo. Animado pelo Espírito, o cristão deixa-se interpelar pelas periferias existenciais e é sensível aos dramas humanos, tendo sempre bem presente que a missão é obra de Deus e não a realizamos sozinhos, mas em comunhão eclesial, juntamente com os irmãos e irmãs, guiados pelos Pastores. Pois este sempre foi o sonho de Deus: vivermos com Ele em comunhão de amor.

Escolhidos antes da criação do mundo

O apóstolo Paulo abre-nos de par em par um horizonte maravilhoso: Deus Pai «escolheu-nos em Cristo antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis na sua presença, no amor. Predestinou-nos para sermos adotados como seus filhos por meio de Jesus Cristo, de acordo com o beneplácito da sua vontade» (Ef 1, 4-5). São palavras que nos permitem ver a vida no seu sentido pleno: Deus «concebe-nos» à sua imagem e semelhança e quer-nos seus filhos: fomos criados pelo Amor, por amor e com amor, e somos feitos para amar.

No decurso da nossa vida, esta chamada, inscrita nas fibras do nosso ser e portadora do segredo da felicidade, alcança-nos, pela ação do Espírito Santo, de maneira sempre nova, ilumina a nossa inteligência, infunde vigor na vontade, enche-nos de admiração e faz arder o nosso coração. Às vezes irrompe até de forma inesperada. Assim aconteceu comigo em 21 de setembro de 1953, quando, a caminho da festa anual do estudante, senti o impulso de entrar na igreja e me confessar. Aquele dia mudou a minha vida, dando-lhe uma fisionomia que dura até hoje. Mas a chamada divina ao dom de nós mesmos abre estrada gradualmente, através dum caminho: em contacto com uma situação de pobreza, num momento de oração, graças a um claro testemunho do Evangelho, a uma leitura que nos abre a mente, quando ouvimos uma Palavra de Deus e a sentimos dirigida precisamente a nós, no conselho dum irmão ou uma irmã que nos acompanha, num período de doença ou de luto... A fantasia de Deus que nos chama é infinita.

E a sua iniciativa e dom gratuito esperam a nossa resposta. A vocação é uma «combinação entre a escolha divina e a liberdade humana», [1] uma relação dinâmica e estimulante que tem como interlocutores Deus e o coração humano. Assim, o dom da vocação é como uma semente divina que germina no terreno da nossa vida, abre-nos a Deus e abre-nos aos outros para partilhar com eles o tesouro encontrado. Esta é a estrutura fundamental daquilo que entendemos por vocação: Deus chama amando, e nós, agradecidos, respondemos amando. Descobrimo-nos como filhos e filhas amados pelo mesmo Pai, e reconhecemo-nos como irmãos e irmãs entre nós. Santa Teresa do Menino Jesus, quando «viu» com clareza esta realidade, exclamou: «Encontrei finalmente a minha vocação! A minha vocação é o amor! Sim, encontrei o meu lugar na Igreja (…): no coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor». [2]

Eu sou uma missão nesta terra

Como dissemos, a chamada de Deus inclui o envio. Não há vocação sem missão. E não há felicidade e plena autorrealização sem oferecer aos outros a vida nova que encontramos. A chamada divina ao amor é uma experiência que não se pode calar. «Ai de mim, se eu não evangelizar!»: exclamava São Paulo (1 Cor 9, 16). E a I Carta de João começa assim: «O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida [feito carne] (…), isso vos anunciamos (…) para que a nossa alegria seja completa» (1, 1.3.4).

Há cinco anos, na exortação apostólica Gaudete et exsultate, dizia eu a cada batizado e batizada: «Também tu precisas de conceber a totalidade da tua vida como uma missão» (n. 23). Sim, porque cada um de nós, sem exceção, pode dizer: «Eu sou uma missão nesta terra e para isso estou neste mundo» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 273).

A missão comum a todos nós, cristãos, é testemunhar com alegria, em cada situação, por atitudes e palavras, aquilo que experimentamos estando com Jesus e na sua comunidade, que é a Igreja. E traduz-se em obras de misericórdia materiais e espirituais, num estilo de vida acolhedor e sereno, capaz de proximidade, compaixão e ternura, em contracorrente à cultura do descarte e da indiferença. Fazer-nos próximo como o bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) permite-nos compreender o «núcleo» da vocação cristã: imitar Jesus Cristo que veio para servir e não para ser servido (cf. Mc 10, 45).

Esta ação missionária não nasce simplesmente das nossas capacidades, intenções ou projetos, nem da nossa vontade nem mesmo do nosso esforço de praticar as virtudes, mas duma profunda experiência com Jesus. Só assim podemos tornar-nos testemunhas de Alguém, duma Vida; e é isso que nos torna «apóstolos». Reconhecemo-nos então «como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 273).

Temos um ícone evangélico desta experiência nos dois discípulos de Emaús. Estes, depois do encontro com Jesus ressuscitado, confidenciavam um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» ( Lc24, 32). Podemos ver neles o que significa ter «corações ardentes e pés ao caminho». [3] É o que desejo também para a próxima Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, que aguardo com alegria e que tem como lema: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» ( Lc 1, 39). Que cada um e cada uma se sinta chamado a levantar-se e partir apressadamente, com coração ardente!

Chamados juntos: convocados

O evangelista Marcos narra o momento em que Jesus chamou para junto d’Ele doze discípulos, cada um pelo próprio nome. Estabeleceu-os para estarem com Ele e os enviar a pregar, curar as doenças e expulsar os demónios (cf. Mc 3, 13-15). Assim o Senhor lança as bases da sua nova Comunidade. Os Doze eram pessoas de ambientes sociais e profissões diferentes, não pertencentes às categorias mais importantes. Os Evangelhos referem ainda outras chamadas, como a dos setenta e dois discípulos que Jesus envia dois a dois (cf. Lc 10, 1).

O termo Igreja deriva precisamente de Ekklesía, palavra grega que significa assembleia de pessoas chamadas, convocadas, para formar a comunidade dos discípulos e discípulas missionários de Jesus Cristo, comprometendo-se a viver entre si o seu amor (cf. Jo 13, 34; 15, 12) e a espalhá-lo no meio de todos, para que venha o Reino de Deus.

Na Igreja, somos todos servos e servas, segundo diversas vocações, carismas e ministérios. A vocação ao dom de si próprio no amor, comum a todos, desenvolve-se e concretiza-se na vida dos cristãos leigos e leigas, empenhados a construir a família como uma pequena igreja doméstica e a renovar os diversos ambientes da sociedade com o fermento do Evangelho; no testemunho das consagradas e consagrados, entregues totalmente a Deus pelos irmãos e irmãs como profecia do Reino de Deus; nos ministros ordenados (diáconos, presbíteros, bispos) colocados ao serviço da Palavra, da oração e da comunhão do Povo santo de Deus. Só na relação com todas as outras é que cada vocação específica na Igreja se revela plenamente com a sua própria verdade e riqueza. Neste sentido, a Igreja é uma sinfonia vocacional, com todas as vocações unidas e distintas em harmonia e juntas «em saída» para irradiar no mundo a vida nova do Reino de Deus.

Graça e missão: dom e tarefa

Amados irmãos e irmãs, a vocação é dom e tarefa, fonte de vida nova e de verdadeira alegria. Que as iniciativas de oração e animação pastoral ligadas a este Dia reforcem a sensibilidade vocacional nas nossas famílias, nas paróquias, nas comunidades de vida consagrada, nas associações e nos movimentos eclesiais. Que o Espírito do Ressuscitado nos faça sair da apatia e nos dê simpatia e empatia, para vivermos cada dia regenerados como filhos de Deus-Amor (cf. 1 Jo 4, 16) e sermos, por nossa vez, geradores no amor: capazes de levar a vida a todos os lugares, especialmente onde há exclusão e exploração, indigência e morte. Que deste modo se alarguem os espaços de amor [4] e Deus reine cada vez mais neste mundo.

Acompanhe-nos neste caminho a oração composta por São Paulo VI para o 1º Dia Mundial das Vocações (11 de abril de 1964):

«Ó Jesus, divino Pastor das almas, que chamastes os Apóstolos para fazer deles pescadores de homens, continuai a atrair para Vós almas ardentes e generosas de jovens, a fim de fazer deles vossos seguidores e vossos ministros; tornai-os participantes da vossa sede de redenção universal, (…) abri-lhes os horizontes do mundo inteiro, (…) para que, respondendo à vossa chamada, prolonguem aqui na terra a vossa missão, edifiquem o vosso Corpo místico, que é a Igreja, e sejam “sal da terra”, “luz do mundo” (Mt 5, 13)».

Que a Virgem Maria vos acompanhe e proteja. Com a minha bênção.

Roma, São João de Latrão, no IV Domingo de Páscoa, 30 de abril de 2023.

Francisco

90ª Peregrinação diocesana a Fátima - 26 de março de 2023

Programa e orientações

Tema: “Eucaristia, comunhão e missão”

Programa geral

8-9h30 – Confissões: na capela da reconciliação (parte inferior da basílica da

Santíssima Trindade)

09h30 – Concentração em frente da basílica da Santíssima Trindade

09h45 – Caminhada como povo de Deus em direção à Capelinha

10h00 – Saudação a Nossa Senhora e oração do Rosário (programa oficial do

Santuário)

11h00 – Procissão e celebração da Eucaristia (no altar do recinto)

13h00 – Almoço convívio por vigararias nos parques abaixo indicados

15h00 – Concerto orante de cânticos eucarísticos (na basílica Nª Sª do Rosário)

Bandeiras: as paróquias e suas igrejas (capelas) bem como associações e movimentos

devem levar as respetivas bandeiras.

Símbolos

Quem as tiver, leve as faixas coloridas (tipo cachecol), uma cor por Vigararia, com o símbolo da Diocese: Batalha: vermelho; Colmeias: amarelo torrado; Fátima: amarelo claro; Leiria: rosa; Marinha Grande: verde; Milagres: azul escuro; Monte Real: azul claro; Ourém: laranja; Porto de Mós: castanho.

Parques de estacionamento e almoço por vigararia

Convidamos os fiéis com os respetivos párocos a juntar-se no mesmo parque e ali fazerem o almoço de confraternização, nos lugares próprios para o efeito. Os vigários podem combinar entre si em que parte do parque se juntam os fiéis da respetiva vigararia. Os parques situam-se todos atrás da basílica da Senhora do Rosário,

A título de indicação, as vigararias
distribuem-se do seguinte modo:

Batalha: vermelho; parque 2

Colmeias: amarelo torrado; parque 2

Fátima: amarelo clero; parque 2

Leiria: rosa; parque 3

Marinha Grande: verde; parque 4

Milagres: azul escuro; parque 5

Monte Real: azul claro; parque 5

Ourém: laranja; parque 6

Porto de Mós: castanho; parque 7.

S. José, Santo porquê?

Um santo é alguém cujas virtudes se destacaram de alguma forma e serve, por isso, de exemplo para os seus contemporâneos e para as gerações seguintes. Já nos perguntámos porque é que São José é santo? Alguém responderá de imediato: porque era o pai adotivo de Jesus e o marido de Maria! Parece óbvio, não? Bem, mas, por essa ordem de ideias, todos os familiares e amigos e até vizinhos de Jesus seriam venerados como santos. Mas não se é automaticamente santo por proximidade ou uma espécie de contágio. Por isso, a resposta deverá ser outra.

Sabemos que José não deixou obra escrita; aliás, os Evangelhos não registam uma única palavra sua. Tão-pouco fundou uma ordem monástica ou uma obra de caridade. Então, qual a sua relevância na História da Salvação? O que é que faz dele um modelo para nós? E, em especial, porque nos é apresentado como modelo de homem de família?

Como diz o ditado, o homem põe e Deus dispõe. Como Pai por excelência, sabe melhor do que nós mesmos o que é realmente bom para nós e, por isso, desafia-nos e propõe-nos caminhos alternativos, que nem sempre conseguimos aceitar, nem sequer compreender. Deus trocou os planos a José, como faz a todos nós. Ele tinha uma profissão para assegurar o sustento de uma família, seguia os preceitos da Lei de Deus e estava noivo de uma jovem virtuosa. Como se costuma dizer, a sua vida estava encaminhada. Até que Maria engravida misteriosamente e José se vê confrontado com a necessidade de tomar uma decisão da maior importância para ele, para os seus e para a Humanidade que Cristo veio salvar.

José esteve à altura das circunstâncias, mesmo não tendo podido escolhê-las. Aceitou-as, não contrariado ou com revolta, muito menos derrotado. Homem de fé, abriu-se à voz que lhe dizia, no seu íntimo, que o que estava a acontecer-lhe era conforme o plano de Deus. Homem de honra, acolheu Maria como esposa. Homem de família, fez seu filho, por inteiro, o Menino-Deus e cuidou d’Ele e da Mãe.

O nosso desafio, hoje como sempre, é aceitar integralmente a nossa vida e fazer o nosso melhor com as circunstâncias. As nossas, não as dos outros ou as ideais. Aceitar os aspetos menos luminosos do marido ou da esposa, seja um traço de personalidade mais exigente, algumas partes da história pessoal, uma doença ou limitação – a “bagagem” que todos trazemos e impomos aos outros.

Aceitar que os filhos não são nossa propriedade nem servem para realizar os nossos sonhos ou compensar as nossas frustrações. Aceitar que vão desiludir-nos várias vezes – e nós a eles – e dar-nos alegrias diferentes das que esperaríamos.

Aceitar que o trabalho nem sempre nos preenche mas desgasta sempre.

Aceitar os colegas e vizinhos que nos calharam. Aceitar a família, pais, irmãos, sogros, cunhados.

Aceitarmo-nos a nós mesmos.

A alternativa a esta aceitação permanentemente renovada é vivermos amargos e amargurados, enquanto escurecemos os dias dos que partilham caminho connosco.

José é o santo da humildade e da esperança, do amor e da coragem que só o amor dá. Cada pai, marido, trabalhador, crente tem muito mais em comum com ele do que poderia pensar. O que ele fez também está ao nosso alcance! Imitemo-lo no nosso próprio caminho de santidade!

 

Marinha Grande, 19 de março de 2023

Lúcio (também sou José!) Gomes

Mensagem para a Quaresma de D. José Ornelas Carvalho

Subir ao alto,
para ver a realidade com os olhos de Deus

Com a celebração desta Quarta-Feira de Cinzas, damos início ao tempo da Quaresma, como caminho de preparação para a Páscoa. É um tempo de conversão, a partir do coração, isto é, daquilo que somos de verdade, da nossa maneira de pensar e de agir. É tempo de repensar com verdade aquilo que somos e como agimos, a partir do nosso encontro com Deus, e de deixar-nos transformar e transformar a realidade que nos rodeia, à luz desse encontro. 

O Papa Francisco, fala desta mudança de perspetiva, propondo o convite que Jesus faz aos seus discípulos para subirem com ele a uma montanha, onde se lhes revela glorioso, lhes mostra o sentido da Escritura e lhes faz ouvir a voz do Pai, que lhes recomenda: “Este é o meu Filho muito amado. Escutai-O!” (Mt 17,5).

Esta narração, afirma o Papa, ilumina o nosso caminho de conversão quaresmal: caminho de escuta da Palavra de Deus; caminho junto com os irmãos e irmãs, em Igreja; caminho que leva a contemplar o sonho de Deus para cada um de nós, na comunhão com Ele, na verdadeira felicidade que não acaba. 

Mas, como Pedro e os outros primeiros discípulos, temos vontade de seguir a Jesus e de estar com Ele, mas também temos dificuldade de entender e aceitar o caminho da cruz que Ele propõe. A cruz representa a disponibilidade para aceitar, com e como Jesus, a coerência (a verdade) da fé; para assumir com esforço, coragem e esperança, o caminho de transformação pessoal, da família, da Igreja, da sociedade. É preciso ter essa coragem de identificar aquilo que fere, humilha, destrói, que impede de caminhar e de construir algo de novo em nós e à nossa volta. 

Não se trata de assumir uma atitude de punição, humilhação, ou paralisante complexo de culpa. Reconhecer o mal, em nós e à nossa volta, à luz do olhar verdadeiro e misericordioso de Deus, é o início da conversão quaresmal que forja pessoas livres (livres daquilo que é só imediato e autorreferencial); pessoas que constroem solidamente e solidariamente a própria felicidade e um futuro luminoso à sua volta. Esse olhar libertador, não se fecha em si mesmo, mas leva a caminhar em direção aos outros e em direção a Deus.

Transformar purificando

Perante essa luz, sentimo-nos também como Igreja santa e pecadora. Jesus não escolheu discípulos perfeitos. Aceitou-os sem nunca os rejeitar, mesmo quando mostravam incompreensão, falta de coerência, e até negação e traição. Mas também nunca se resignou à falta de correspondência deles, dizendo que veio para os pecadores, como o médico vem para os doentes. Essa é a atitude que Ele continua a ter para com a Igreja e para com cada um dos seus discípulos e discípulas. 

É neste ambiente de conversão quaresmal que assumimos também a revolta e a humilhação pelos abusos sexuais que se verificaram na Igreja em Portugal nos últimos decénios. Sem entrar em polémicas sobre números — qualquer caso é uma enormidade injusta e dramática na vida de cada pessoa que foi vítima —, não podemos deixar de repudiar, lamentar e pedir perdão a quem foi objeto de cada um destes repugnantes atos. Repudiar e pedir perdão só têm sentido, porém, se significarem igualmente uma atitude ativa de não-resignação e de determinada e concreta atitude de ir ao encontro de que foi tão injustamente tratado e corajosamente se ergueu para denunciar, colaborando na reconstrução das suas vidas. Deixar-se converter significa igualmente fazer justiça a esse sofrimento, tomando todas as medidas para evitar que se repitam e, na medida do possível, tratar igualmente daqueles que foram autores desses atos. Este é um tema que não pode fugir do caminho quaresmal. Tomar a sério este drama será um modo de purificar e transformar positivamente a Igreja.

Juntos para caminhar

Outra proposta para esta Quaresma é a conversão para a transformação sinodal da Igreja em que estamos empenhados. É um caminho que está em curso e visa renovar cada paróquia, cada vigararia e diocese e a Igreja em todo o mundo, através da participação ativa de todos na vida da sua comunidade. Cada um recebeu, pelo batismo, a dignidade de filho e filha de Deus e dons e qualidades que vai desenvolvendo e colocando ao serviço dos outros, ao longo da vida. Esta relação filial com Deus realiza-se junto com outros irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai do Céu. 

O caminho sinodal deve converter as nossas atitudes concretas e o modo de organização das nossas comunidades. Na Igreja, não estamos simplesmente para assistir: Deus chama-nos a participar e a integrar a vida da nossa comunidade, na escuta da Sua Palavra, na oração, na comunhão e na missão comuns. A nossa conversão há de exprimir-se na participação, perguntando-nos diante de Deus: em que é que posso colaborar na missão comum.

Viver a festa universal do Evangelho

Uma expressão da sinodalidade, que faz parte da nossa conversão, na Quaresma deste ano, é a Jornada Mundial da Juventude que se realiza em Portugal no próximo mês de agosto. É uma ocasião única de fazer a experiência de uma Igreja que fala todas as línguas e se exprime em todas as culturas da terra. Acolher e viver a universalidade da Igreja, com os muitos milhares de jovens que chegarão a Portugal no próximo verão, significa estar presente, especialmente para os jovens. Para todos, trata-se de acolher e de colaborar para que essa festa da juventude, iluminada pelo Evangelho, possa acontecer entre nós. 

Saindo ao encontro de quem precisa

Finalmente, a transformação do Evangelho nunca é uma questão simplesmente interna de uma pessoa, de uma paróquia ou da Igreja no seu todo. A Igreja cumpre a sua missão quando sai de si mesma ao encontro de todo daqueles que, em qualquer parte do mundo têm particular necessidade de ajuda. 

Nesta Quaresma, de tantas situações difíceis do mundo em que vivemos, a nossa Diocese sublinha duas para um esforço especial da nossa vivência comum da Quaresma, duas situações particularmente dramáticas: a guerra na Ucrânia, que já dura há um ano e o terramoto que atingiu de forma devastadora a Turquia e a Síria

Destinaremos, pois, o produto da renúncia quaresmal deste ano a minorar o sofrimento destas populações devastadas pela guerra e pelos desastres naturais. Que o esforço e a renúncia que assumimos como caminho de Quaresma, possa ser colocada nas mãos de Deus para chegar a quem precisa urgentemente de ajuda!

A todos desejo uma santa e transformadora Quaresma, marcada pela cruz de Jesus que nos faz caminhar juntos em direção à Páscoa da libertação, da caridade solidária e da paz.

 ✝︎ José Ornelas Carvalho
Bispo de Leiria-Fátima

Mensagem do Papa para a Quaresma 2023

Ascese quaresmal, itinerário sinodal

Queridos irmãos e irmãs!

Os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas coincidem em narrar o episódio da Transfiguração de Jesus. Neste acontecimento, vemos a resposta do Senhor a uma falta de compreensão manifestada pelos seus discípulos. De facto, pouco antes, registara-se uma verdadeira divergência entre o Mestre e Simão Pedro; este começara professando a sua fé em Jesus como Cristo, o Filho de Deus, mas em seguida rejeitara o seu anúncio da paixão e da cruz. E Jesus censurara-o asperamente: «Afasta-te, satanás! Tu és para Mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens» (Mt 16, 23).

Por isso, «seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte» (Mt 17, 1).

O evangelho da Transfiguração é proclamado, cada ano, no II Domingo da Quaresma.

Realmente, neste tempo litúrgico, o Senhor toma-nos consigo e conduz-nos à parte.

Embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir «a um alto monte» juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese.

A ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz. Aquilo precisamente de que Pedro e os outros discípulos tinham necessidade. Para aprofundar o nosso conhecimento do Mestre, para compreender e acolher profundamente o mistério da salvação divina, realizada no dom total de si mesmo por amor, é preciso deixar-se conduzir por Ele à parte e ao alto, rompendo com a mediocridade e as vaidades. É preciso pôr-se a caminho, um caminho em subida, que requer esforço, sacrifício e concentração, como uma excursão na montanha. Estes requisitos são importantes também para o caminho sinodal, que nos comprometemos, como Igreja, a realizar. Far-nos-á bem refletir sobre esta relação que existe entre a ascese quaresmal e a experiência sinodal.

Para o «retiro» no Monte Tabor, Jesus leva consigo três discípulos, escolhidos para serem testemunhas dum acontecimento singular; Ele deseja que aquela experiência de graça não seja vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é aliás toda a nossa vida de fé. A Jesus, seguimo-Lo juntos; e juntos, como Igreja peregrina no tempo, vivemos o Ano Litúrgico e, nele, a Quaresma, caminhando com aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado como companheiros de viagem. À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é «sinodal»,

porque o percorremos juntos pelo mesmo caminho, discípulos do único Mestre. Mais ainda, sabemos que Ele próprio é o Caminho e, por conseguinte, tanto no itinerário litúrgico como no do Sínodo, a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador.

E chegamos ao momento culminante. O Evangelho narra que Jesus «Se transfigurou diante deles: o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz» (Mt 17, 2). Aqui aparece o «cimo», a meta do caminho. No final da subida e enquanto estão no alto do monte com Jesus, os três discípulos recebem a graça de O verem na sua glória, resplandecente de luz sobrenatural, que não vinha de fora, mas irradiava d’Ele mesmo. A beleza divina desta visão mostrou-se incomparavelmente superior a qualquer cansaço que os discípulos pudessem ter sentido quando subiam ao Tabor. Como toda a esforçada excursão de montanha, ao subir, é preciso manter os olhos bem fixos na vereda; mas o panorama que se deslumbra no final surpreende e compensa pela sua maravilha. Com frequência também o processo sinodal se apresenta árduo e por vezes podemos até desanimar; mas aquilo que nos espera no final é algo, sem dúvida, maravilhoso e surpreendente, que nos ajudará a compreender melhor a vontade de Deus e a nossa missão ao serviço do seu Reino.

A experiência dos discípulos no monte Tabor torna-se ainda mais enriquecedora quando, ao lado de Jesus transfigurado, aparecem Moisés e Elias, que personificam respetivamente a Lei e os Profetas (cf. Mt 17, 3). A novidade de Cristo é cumprimento da antiga Aliança e das promessas; é inseparável da história de Deus com o seu povo, e revela o seu sentido profundo. De forma análoga, o caminho sinodal está radicado na

tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, aberto para a novidade. A tradição é fonte de inspiração para procurar estradas novas, evitando as contrapostas tentações do imobilismo e da experimentação improvisada.

O caminho ascético quaresmal e, de modo semelhante, o sinodal, têm como meta uma transfiguração, pessoal e eclesial. Uma transformação que, em ambos os casos, encontra o seu modelo na de Jesus e realiza-se pela graça do seu mistério pascal. Para que, neste ano, se possa realizar em nós tal transfiguração, quero propor duas «veredas» que é necessário percorrer para subir juntamente com Jesus e chegar com Ele à meta.

A primeira diz respeito à ordem que Deus Pai dirige aos discípulos no Tabor, enquanto estão a contemplar Jesus transfigurado. A voz da nuvem diz: «Escutai-O» (Mt 17, 5).

Assim a primeira indicação é muito clara: escutar Jesus. A Quaresma é tempo de graça na medida em que nos pusermos à escuta d’Ele, que nos fala. E como nos fala Ele? Antes de mais nada na Palavra de Deus, que a Igreja nos oferece na Liturgia: não a deixemos cair em saco roto; se não podermos participar sempre na Missa, ao menos leiamos as Leituras bíblicas de cada dia valendo-nos até da ajuda da internet. Além da Sagrada Escritura, o Senhor fala-nos nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda. Mas quero acrescentar ainda outro aspeto, muito importante no processo sinodal: a escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja; nalgumas fases, esta escuta recíproca é o objetivo principal, mas permanece sempre indispensável no método e estilo duma Igreja sinodal.

Ao ouvir a voz do Pai, «os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados.

Aproximando-Se deles, Jesus tocou-lhes dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo”.

Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém» (Mt 17, 6-8). E aqui temos a segunda indicação para esta Quaresma: não refugiar-se numa religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições. A luz que Jesus mostra aos seus discípulos é uma antecipação da glória pascal, e é rumo a esta que se torna necessário caminhar seguindo «apenas Jesus e mais ninguém». A Quaresma

orienta-se para a Páscoa: o «retiro» não é um fim em si mesmo, mas prepara-nos para viver – com fé, esperança e amor – a paixão e a cruz, a fim de chegarmos à ressurreição.

Também o percurso sinodal não nos deve iludir quanto ao termo de chegada, que não é quando Deus nos dá a graça de algumas experiências fortes de comunhão, pois aí o Senho também nos repete: «Levantai-vos e não tenhais medo». Desçamos à planície e que a graça experimentada nos sustente para sermos artesãos de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades.

Queridos irmãos e irmãs, que o Espírito Santo nos anime nesta Quaresma na subida com Jesus, para fazermos experiência do seu esplendor divino e assim, fortalecidos na fé, prosseguirmos o caminho com Ele, glória do seu povo e luz das nações.

Roma – São João de Latrão, na Festa da Conversão de São Paulo, 25 de janeiro de 2023.

FRANCISCO

OS DIAS DA PENITÊNCIA

Gostava, Senhor, que as cinzas que hoje me hão-de impor na celebração desta Quarta feira de Cinzas, fossem resultantes da fogueira onde queria que ardessem os meus pecados.

Assim, purificadas essas cinzas pelo Teu fogo divino, elas recordar-me-iam sempre as minhas fraquezas e eu agarrar-me-ia ainda mais a Ti, para em Ti encontrar as forças para resistir ao meu pecado.

Chegaram os dias da penitência!

Chegaram os dias em que me devo retirar para o meu deserto e ali, Senhor, perdoa-me a comparação, (cf Lc 4, 1), conduzido pelo Espírito Santo, encontrar o meu pecado, enfrentá-lo com a força do Teu Espírito, dele tomar consciência e, arrependido, voltar-me para Ti pedindo a graça de não mais voltar a pecar.

E em cada um destes dias, Senhor, Tu hás-de sorrir, olhar para mim cheio de ternurenta misericórdia, e dizeres-me que basta eu estender a minha mão para Ti, para Tu me agarrares e libertares das tempestades das areias do pecado que me querem enterrar.

Este meu deserto, Senhor, por Tua graça, tem ao fundo, lá longe onde ele acaba, (são tantos os meus pecados), uma luz extraordinária que tudo abrange e tudo toca, e que apaga todos os pecados, porque é a luz da Tua Ressurreição.

Este meu deserto, Senhor, é afinal o deserto de todos aqueles que em Ti acreditando, o percorrem e chegando junto de Ti, dizem como aquele leproso, (Mt 8, 2) – «Senhor, se quiseres podes purificar-me» - e ouvirão da Tua boca - «Quero, fica purificado». (Mt 8, 3)

Chegaram os dias da penitência, mas no meu coração arrependido, já se forma um grito contido, que gritarei no fim do deserto: Aleluia!

Jejum, esmola e oração

Na verdade, trata-se de três dimensões fundamentais da vida cristã, não exclusivas da Quaresma. E aliás, em certa medida, são práticas transversais a várias religiões e cujo apelo perdura até hoje, até em esferas seculares.

O sentido do jejum é a mortificação. Privar-se de alguma coisa para se lembrar, no seu próprio corpo, porventura, de que é de Deus que realmente dependemos, que é a Ele que devemos confiar a nossa inteira liberdade. A partir deste sentido, e examinando o nosso coração e a nossa vida com a luz do Espírito Santo, podemos perceber a que somos chamados a renunciar.

Jejum é, pois, renunciar a si próprio, seja através do esforço de não comer doces, de só ingerir líquidos, ou largar as redes sociais – mas é renunciar a si próprio para dar lugar a Deus, ou a outros que Deus nos confia. Jejum, esmola e oração estão, por isso, ligados entre si. Crescem uns com os outros.

Na oração o coração cresce silenciosamente. Pouco a pouco, sem alarido, começa a exigir uma atenção que excede o interesse, um cuidado que ultrapassa o conforto. Em Deus, por Deus, o coração alarga-se, rasga-se, para que entrem todos.

Dar esmola, ouvimos desde as parábolas que Jesus contou, é muito mais do que dar o que sobra. Sabemos a história da viúva pobre, que deu tudo, que deu o que lhe fazia falta. E sabemos também como Jesus se esconde dentro “dos irmãos mais pequeninos” e que servindo-os, é a Ele que servimos.

Partilhar o que temos e o que somos, e até o que também precisamos, põe-nos na posição exacta em que Deus nos criou: parte de um povo que caminha para Ele, em que a distância não pode querer dizer indiferença.

A diferença aqui será a dimensão transcendente que ganham: não fazemos jejum para equilibrar a dieta, ou não equilibramos a dieta para ganhar uma certa imagem. Fazemo-lo para nos libertarmos para Deus, para vivermos com Ele no centro. Assim como não rezamos ou meditamos para limpar a mente ou reduzirmos o stress do dia-a-dia, embora rezando isso possa até acontecer. Rezamos para levantar os olhos e o coração para Deus, que nos ama incondicionalmente e nos criou para esse amor. E finalmente, não será em nome de uma fraternidade tolerante mas abstracta que partilhamos os nossos bens, o nosso tempo, a nossa vida – mas porque queremos assumir a missão de Jesus.

A Quaresma é um tempo favorável, uma altura em que procuramos viver estas dimensões com especial intensidade, em preparação para a Páscoa, o centro de tudo. Chamados a recentrar-nos no essencial, guardando tempo para Deus, aceitando depender só Dele e viver entregando-nos como Ele, durante a Quaresma podemos esforçar-nos para viver à altura do nosso baptismo, certos de que a força não virá da app de jejum intermitente que instalámos nem da lista das obras de misericórdia que partilhámos nas stories do Instagram, mas da graça Deus, que nos assume como seus filhos. (Jejum, esmola e oração – Pontosj.pt)

Quarta – Feira de Cinzas

 A Igreja Católica inicia com a Quarta-feira de Cinzas, o tempo litúrgico da Quaresma no qual, durante 40 dias e através da vivência do jejum, da oração e da esmola, somos chamados a prepararmo-nos para a Semana Santa em que se atualizam os mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus.

Neste tempo, somos chamados à conversão pessoal, exortação que durante a imposição das Cinzas o celebrante expressa com as palavras: “Convertei-vos e acreditai no Evangelho”. Do mesmo modo, com a expressão “Lembra-te de que és pó e ao pó hás-de voltar”, recorda-se a fragilidade da vida humana e que a morte é um destino inevitável.

Na Roma antiga, os fiéis começavam com uma penitência pública o primeiro dia de Quaresma no qual eram salpicados com cinzas. Atualmente os fiéis são marcados com uma cruz na testa com as cinzas obtidas ao queimar os ramos usados e benzidos no domingo de Ramos do ano anterior.

O Papa Francisco na sua mensagem para a quaresma diz-nos: “ Realmente, neste tempo litúrgico, o Senhor toma-nos consigo e conduz-nos à parte. Embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir «a um alto monte» juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese.

A ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz.”. Um caminho para nos tornarmos pessoas melhores e que buscam o bem no seu dia-a-dia.

 

Oração, penitência e caridade: as três práticas quaresmais

 

A oração é uma condição indispensável para o encontro com Deus. Na oração, o cristão entra em diálogo íntimo com o Senhor, deixa que a graça entre no seu coração e, como Maria, abre-se para a oração do Espírito cooperando com ela na sua resposta livre e generosa (ver Lc 1,38).

A penitência realiza-se quotidianamente e sem a necessidade de fazer grandes sacrifícios. Com ela, são oferecidos a Cristo aqueles momentos que originam desânimo no passar do dia e se aceita com humildade, gozo e alegria, todas as adversidades que vamos vivendo.

Da mesma forma, a caridade é um saber renunciar a certas coisas legítimas que nos ajuda a viver o desapego e desprendimento diante das coisas deste mundo.

Sobre esta prática, São João Paulo II explica que este chamamento a dar “está enraizado no mais profundo do coração humano: toda a pessoa sente o desejo de colocar-se em contato com os outros e realiza-se plenamente quando se dá livremente aos outros”.

 

A Quaresma começa com a Quarta-feira de Cinzas e termina na Quinta-feira Santa

 

Na Quarta-feira de Cinzas começam os 40 dias de preparação para a Páscoa. A Quaresma termina na Quinta-feira Santa. Nesse dia, a Igreja recorda a Última Ceia do Senhor, quando Jesus de Nazaré compartilhou a refeição pela última vez com seus apóstolos antes de ser crucificado na Sexta-feira Santa.

 Os 40 dias da Quaresma representam o mesmo número de dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, os quarenta dias do dilúvio, os quarenta dias da marcha do povo judeu pelo deserto, os quarenta dias de Moisés e Elias na montanha.

Na Quaresma, a cor litúrgica é o roxo

 

A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa luto e penitência. É um tempo de reflexão, penitência, conversão espiritual; tempo para preparar o mistério pascal.

Santos Francisco e Jacinta Marto

Francisco de 9 anos  e Jacinta Marto de 7 anos, irmãos, residentes nos Valinhos,  Aljustrel, concelho de Ourém, eram crianças iguais a tantos outros meninos e meninas do seu tempo. Pequenos, rudes e humildes instrumentos de que Maria se serve para convidar os homens a porem a sua confiança em Deus, a converterem-se e a empreenderem o caminho do bem.

Os pequenos videntes recebem um carisma mariano. Mariano porque é concedido através de Maria. Como nos disse o Papa João Paulo II na homilia da Beatificação dos Pastorinhos: “A Senhora fala-lhes com voz e coração de mãe. Convida-os a oferecerem-se como vítimas de reparação, oferecendo-se ela para os conduzir seguros até Deus.” E faz deles candeias que Deus acendeu para iluminar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas”.

Na altura em que os pastorinhos viveram, o mundo estava amargurado pela guerra, que semeava violência, sofrimento e morte; pela pneumónica que dizimava muitas vidas; um mundo onde a tecnologia e a ciência davam a crer segurança, liberdade, desenvolvimento e felicidade. Um mundo em que dispensava o recurso a Deus para obter soluções para os problemas da sociedade, em que a Igreja era humilhada, amedrontada e reduzida nas suas possibilidades de ação e expressão.

Olhando para este panorama atual mundial e nacional, poderíamos perguntar: o que nos separa daquele tempo?

Na “escola” de Maria as três crianças fazem uma extraordinária aprendizagem daquilo que é o amor a Deus , a Jesus, a Maria e à humanidade. Que os leva a responder, “Sim queremos”, quando Nossa Senhora pergunta: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?”. A conversão dos pecadores e a obtenção da paz para o mundo são os primeiros fins pelos quais os pequenos videntes, intercedem, mediante orações e sacrifícios, tudo por amor.

Francisco Marto morre a 04 de abril de 1919.

Jacinta Marto morre a 20 de Fevereiro de 1920.

Foram ambos beatificados a 13 de maio de 2000, numa celebração presidida pelo Papa João Paulo II em Fátima, e, canonizados a 13 de maio de 2017 (cem anos das aparições) em celebração presidida pelo Papa Francisco em Fátima: "Declaramos e definimos como santos os beatos Francisco Marto e Jacinta Marto".

Que os Santos Pastorinhos continuem a interceder por toda a humanidade junto de Deus: “Francisco e Jacinta Marto, rogai por nós!”

Nota histórica sobre a "A festa das cinco chagas de Cristo"

Durante a época medieval, particularmente nos séculos XII e XIII, cresceu por toda a Europa a devoção às Chagas de Cristo – não só às chagas da flagelação e da coroação de espinhos mas, particularmente, às Chagas que abriram os cravos nas mãos e pés do Senhor e à Chaga que Lhe abriu, no lado, o soldado romano.

A pregação de S. Bernardo de Claraval e de S. Francisco de Assis contribuíram, em muito, para que essa devoção se difundisse entre o povo cristão.

Também a abertura dos Lugares Santos, devida à ação dos Cruzados, permitiu a realização de peregrinações a esses locais onde Cristo tinha pregado, feito milagres e sofrido a sua Paixão.

A devoção à Humanidade de Cristo – e, sobretudo de Cristo sofredor – ia-se, pouco a pouco, enraizando na Cristandade e cristalizando em orações, algumas atribuídas a Santa Clara de Assis, a Santa Matilde de Hackeborn ou a Santa Gertrudes de Helfta.

Em Portugal, a devoção às Cinco Chagas de Cristo manifestou-se desde cedo, reportando-se aos inícios da nacionalidade, sobretudo por mão dos beneditinos. Mas será somente a partir dos séculos XV e XVI que essa devoção será claramente associada à própria fundação do Reino de Portugal e ao seu brasão de armas.

Com efeito, nalguns textos da época[1], relata-se a aparição de Cristo crucificado a D. Afonso Henriques, na véspera da Batalha de Ourique, na qual as suas tropas defrontariam os exércitos infiéis, liderados por cinco reis mouros: «Afonso, antes de dar sinal aos soldados, estando ajoelhado a orar, viu o Salvador pendente da Cruz. Era tal a confiança do ânimo real, tal a fé gravada no seu coração que, longe de perturbar-se com tão estupendo milagre, ousou dizer estas palavras: que não era ao homem que crê firmemente que Jesus devia mostrar-se, mas aos hereges e apartados dessa fé ou a ela contrários é que era preciso mostrar-se dessa forma»[2]. Mas Cristo afiançou àquele que seria o primeiro Rei de Portugal: «Não te apareci deste modo para acrecentar tua fé, mas para fortalecer teu coração neste conflito e fundar os princípios do teu Reyno sobre pedra firme»[3]. E assim, tendo vencido a batalha de Ourique, quis D. Afonso Henriques que constassem no seu escudo as armas que ostentaram todos os reis portugueses e que ostenta, atualmente, a bandeira de Portugal: Cinco Quinas, em honra das Cinco Chagas de Cristo e como representação dos cinco reis mouros vencidos.

Deste modo, poder-se-á dizer que é a partir do século XVI que o momento da fundação do reino, simultaneamente acontecimento militar e sobrenatural, se incorpora na memória oficial de Portugal.

Nos círculos cultos, esta memória é amplamente difundida, manifestando-se através da arte e da literatura. Grandes nomes como Nicolau Chanterene, na escultura ou, já no âmbito da literatura, Sá de Miranda, Gil Vicente, João de Barros, André de Resende ou Luís de Camões, entre outros, fazem eco desta tradição entre a sociedade portuguesa.

Também no âmbito público, o milagre de Ourique e as Cinco Chagas são referidos, como aconteceu na oração fúnebre das exéquias de D. João III ou na pregação da bênção da bandeira feita aquando da partida de D. António, Prior do Crato, para Tânger, em 1574.

Já no século XVII, a necessidade de legitimação da autonomia de Portugal, levará ao aparecimento de textos que justifiquem e demonstrem o destino único e independente de Portugal. O chamado “juramento de Afonso Henriques”, pretensamente descoberto no Mosteiro de Alcobaça, afirmará que Portugal nasceu por vontade expressa de Deus, num juramento feito por Cristo aparecido ao próprio Afonso Henriques: Volo in te et in semine tuo, imperium mihi stabilire! – seria uma promessa feita ao primeiro Rei de Portugal, de um Império cristão – um chamamento à vocação missionária de Portugal.

Se, por um lado, o episódio de Ourique e o aparecimento de Cristo a Afonso Henriques serviram para o fortalecimento do sentimento de nacionalidade, é também verdade que contribuíram para que arreigasse profundamente, no povo português, a devoção às Chagas de Cristo.

Este terá sido um dos motivos que levou a que, já no século XVIII, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António de Almeida, pedisse ao Papa Bento XIV, a concessão da celebração do Ofício e Missa das Cinco Chagas. Além disso, solicitou ainda a concessão de um aditamento ao Ofício, na versão especialmente destinada a Portugal, de um texto que faria referência ao aparecimento de Cristo a Afonso Henriques, explicitando a relação entre o milagre de Ourique e a inscrição das Cinco Chagas no brasão de Portugal. Em 1753, tanto o Ofício como o aditamento foram aprovados e concedidos pelo Santo Padre.

Apesar de no século XIX, fruto do espírito positivista, terem surgido várias opiniões contrariando a tradição da intervenção sobrenatural em Ourique, o facto é que a devoção às Cinco Chagas e a sua ligação à história de Portugal permaneceram intactas.

Tal era a força dessa devoção que, mesmo no princípio do século XX, com a implantação da República, profundamente anticristã na época, não se retiraram da bandeira nacional, então alterada, as Quinas, sinal das Cinco Chagas de Cristo.

Ainda hoje, no dia 7 de fevereiro, se celebra em Portugal, com profunda e especial devoção, a Festa das Cinco Chagas, honrando a Humanidade de Cristo e lembrando a promessa que Cristo teria feito a Afonso Henriques: a fundação de Portugal.

Cristina Brás Agostinho

Notas

  1. A referência ao milagre de Ourique aparece, entre outros documentos, no século XV, na “segunda Chronica breve de Santa Cruz de Coimbra” (1451), na “Oração de Obediência” de Vasco Fernandes de Lucena (1485), embaixador de D. João II ao Papa Inocêncio VIII e, já fora de Portugal, nas “Mémoires touchant les souveraines maisons pour la plupart D’Autriche, Bourgogne et France”, iniciadas em 1491, por Olivier de la Marche.

  2. Martim de Albuquerque, Orações de obediência. Séculos XV a XVII, vol. 3, Lisboa, Ed. Inapa, 1988 (edição fac-similada com tradução de Miguel Pinto de Menezes)

  3. Frei António Brandão, Monarchia Lusitana. III Parte, Livro X, Cap. V, fol.128v

Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Doente - 11 fevereiro 2023

Queridos irmãos e irmãs

A doença faz parte da nossa experiência humana. Mas pode tornar-se desumana, se for vivida no isolamento e no abandono, se não for acompanhada pelo cuidado e pela compaixão. Quando caminhamos juntos é normal que alguém se possa sentir mal, que tenha de parar por causa do cansaço ou por alguma dificuldade no percurso. É exatamente nesses momentos que se vê como estamos a caminhar: se caminhamos verdadeiramente juntos ou vamos pela mesma estrada, mas cada um por sua conta, dando atenção aos seus próprios interesses e deixando que os outros “se arranjem”. Por isso, neste XXXI Dia Mundial do Doente e em pleno percurso sinodal, convido-vos a refletir sobre o facto de podermos aprender, precisamente através da experiência da fragilidade e da doença, a caminhar juntos segundo o estilo de Deus que é proximidade, compaixão e ternura.

No livro do profeta Ezequiel, num grande oráculo que constitui um dos pontos culminantes de toda a Revelação, o Senhor diz-nos: «Sou Eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu quem as fará descansar – oráculo do Senhor Deus. Procurarei aquela que se tinha perdido, reconduzirei a que se tinha tresmalhado; cuidarei da que está ferida e tratarei da que está doente. […] A todas apascentarei com justiça» (34,15-16). Naturalmente as experiências de estarmos perdidos, doentes ou frágeis fazem parte do nosso caminho: não nos excluem do povo de Deus. Pelo contrário, colocam-nos no centro da solicitude do Senhor que é Pai e não quer perder pelo caminho nem sequer um dos seus filhos. Trata-se, pois, de aprender com Ele a ser verdadeiramente uma comunidade que caminha em conjunto, capaz de não se deixar contagiar pela cultura do descarte.

A encíclica Fratelli tutti, como sabem, propõe uma leitura atualizada da parábola do Bom Samaritano (cf. n. 56). Escolhi-a como charneira, como ponto de viragem para se poder sair das «sombras dum mundo fechado» (cap. I) e «pensar e gerar um mundo aberto» (cap. III). Com efeito, há uma profunda conexão entre esta parábola de Jesus e as múltiplas formas em que hoje é negada a fraternidade. De modo particular, no facto de a pessoa espancada e roubada acabar abandonada na estrada, podemos ver representada a condição em que são deixados tantos irmãos e irmãs nossos na hora em que mais precisam de ajuda. Distinguir quais os atentados à vida e à sua dignidade que provêm de causas naturais e quais são aqueles que são provocados por injustiças e violências… não é fácil. Na realidade, o nível das desigualdades e a prevalência dos interesses de poucos já incidem de tal modo sobre cada ambiente humano que é difícil considerar “natural” qualquer experiência. Um sofrimento realiza-se sempre numa “cultura” e nas suas contradições.

O que importa, no entanto, é reconhecer a condição de solidão, de abandono. Trata-se duma atrocidade que pode ser superada antes de qualquer outra injustiça, porque para a eliminar – como conta a parábola – basta um momento de atenção, o movimento interior da compaixão. Dois viajantes, considerados religiosos, veem o ferido e não param. Mas o terceiro, um samaritano, alguém que é desprezado, deixa-se mover pela compaixão e cuida daquele estranho à beira do caminho e trata-o como irmão. Procedendo deste modo, sem pensar sequer, muda as coisas, gera um mundo mais fraterno.

Irmãos, irmãs, nunca estamos preparados para a doença. E muitas vezes nem sequer para admitir que avançamos na idade. Tememos a vulnerabilidade e a difusa cultura do mercado leva-nos a negá-la. Não há espaço para a fragilidade. E assim o mal, quando irrompe e nos ataca, deixa-nos por terra, atordoados. Então pode acontecer que os outros nos abandonem ou que nos pareça a nós que devemos abandoná-los a fim de não nos sentirem como um peso para eles. Começa assim a solidão e envenena-nos a sensação amarga de uma injustiça, devido à qual até nos parece que o Céu se fecha. Na realidade, sentimos dificuldade de permanecer em paz com Deus, quando se desfaz a relação com os outros e com nós próprios. Por isso é mesmo importante, relativamente também à doença, que toda a Igreja se confronte com o exemplo evangélico do bom samaritano, para se tornar um “hospital de campanha” válido: a sua missão, com efeito, especialmente nas circunstâncias históricas que atravessamos, exprime-se no exercício do cuidado. Todos somos frágeis e vulneráveis; todos temos necessidade daquela atenção compassiva que sabe deter-se e aproximar-se, que sabe cuidar e levantar. A condição dos enfermos é, assim, um apelo que quebra a indiferença e abranda o passo de quem avança como se não tivesse irmãs e irmãos.

De facto, o Dia Mundial do Doente não convida apenas à oração e à proximidade com aqueles que sofrem, mas, ao mesmo tempo, visa sensibilizar o povo de Deus, as instituições de saúde e a sociedade civil para uma nova forma de avançarmos juntos. A profecia de Ezequiel, já referida atrás, contém um juízo muito duro sobre as prioridades daqueles que exercem, sobre o povo, o poder económico, cultural e governamental: «Vós bebestes o leite, vestistes-vos com a sua lã, matastes as reses mais gordas e não apascentastes as ovelhas. Não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido, mas a todas tratastes com violência e dureza» (34,3-4). A Palavra de Deus – não só na denúncia, mas também na proposta – é sempre capaz de iluminar, é sempre atual. Na realidade, a conclusão da parábola do Bom Samaritano sugere-nos como a prática da fraternidade, que começou por um encontro tu a tu, se pode alargar para um cuidado organizado. A estalagem, o estalajadeiro, o dinheiro, a promessa de se manterem mutuamente informados (cf. Lc 10,34-35): tudo isto faz pensar no ministério dos sacerdotes, no trabalho dos agentes de saúde e dos agentes sociais, no empenho de familiares e de voluntários, graças aos quais em cada dia, em todo o mundo, o bem se opõe ao mal.

Os anos da pandemia aumentaram o nosso sentimento de gratidão por quem diariamente trabalha em prol da saúde e da investigação. Mas, ao sair de uma tragédia coletiva assim tão grande, não é suficiente louvar os heróis. A Covid-19 pôs à prova esta grande rede de competências e de solidariedade e mostrou os limites estruturais dos sistemas de assistência social existentes. Por isso, é necessário que a gratidão seja acompanhada, em cada país, pela busca ativa de estratégias e recursos a fim de serem garantidos a todo o ser humano o acesso aos cuidados e o direito fundamental à saúde.

«Trata bem dele» (Lc 10,35) é a recomendação do samaritano ao estalajadeiro. Mas Jesus repete-a igualmente a cada um de nós na exortação conclusiva: «Vai e faz tu também o mesmo». Como evidenciei na encíclica Fratelli tutti, «a parábola mostra-nos as iniciativas com que se pode refazer uma comunidade a partir de homens e mulheres que assumem como própria a fragilidade dos outros, não deixam constituir-se uma sociedade de exclusão, mas fazem-se próximos, levantam e reabilitam o caído, para que o bem seja comum» (n. 67). Efetivamente «fomos criados para a plenitude que só se alcança no amor. Viver indiferentes à dor não é uma opção possível» (n. 68).

No dia 11 de fevereiro de 2023 olhamos para o Santuário de Lurdes como uma profecia, uma lição confiada à Igreja em plena modernidade. Não tem valor só aquilo que funciona; não conta só quem produz. As pessoas doentes estão no âmago do povo de Deus, que avança juntamente com elas como profecia duma humanidade onde cada pessoa é preciosa e ninguém deve ser descartado.

À intercessão de Maria, Saúde dos Enfermos, confio cada um de vós, que estais doentes; vós que cuidais deles em família, com o trabalho, a investigação e o voluntariado; e vós que vos esforçais por tecer laços pessoais, eclesiais e civis de fraternidade. A todos envio de coração a minha Bênção Apostólica.

Roma, São João de Latrão, 10 de janeiro de 2023.

FRANCISCO

Senhora das Candeias ou Apresentação do Senhor?

A nossa tradição fala sobretudo na Senhora das Candeias, mas a liturgia celebra a Apresentação do Senhor, ambas andam de mão dada pela nossa história, partilhamos um texto que ajuda a esclarecer.

No dia 02 de Fevereiro de 2023 começaremos a missa das 19h na rua, para uma pequenina procissão de entrada.

Celebrada no dia 2 de fevereiro, data em que a Igreja faz memória da Festa Litúrgica da Apresentação do Senhor, Nossa Senhora das Candeias, da Luz, da Purificação ou da Candelária - todos estes títulos designam a mesma Nossa Senhora -, tem sua história e vínculo a partir da purificação de Nossa Senhora e Apresentação do Menino Jesus no Templo, quarenta dias após o seu nascimento. Além disso, outras narrações relatam suas origens, como a lenda das Ilhas das Canárias e também a partir da devoção popular.

Segundo a tradição mosaica, após o parto, as parturientes eram consideradas impuras e deveriam ir ao Templo, quarenta dias após o nascimento de seus filhos, para se apresentarem ao Sumo-Sacerdote e oferecer seus sacrifícios. Sendo assim, após o nascimento de Jesus, Maria e José se dirigiram até Simeão para cumprir este preceito. Assim nasceu a Festa da Apresentação de Jesus no Templo e também a Festa da Purificação de Nossa Senhora.

Sobre a origem e aparição de Nossa Senhora das Candeias, encontram-se no livro "Maria, uma Mãe, muitos títulos", do Pe. José Battisti, palotino, relatos que explicam a aparição de Nossa Senhora nas Ilhas das Canárias, Espanha. Lê-se que dois pastores guardavam costumeiramente seus animais perto de uma caverna de Tenerife, Ilhas Canárias, e em um determinado dia observaram que os animais se recusaram a entrar no local. Os pastores, então, aproximaram-se da gruta e descobriram a imagem de uma Senhora com um filho no colo. O fato se espalhou pela região e o povo foi averiguar para validar o fato. Chegando lá, encontraram numerosas candeias sustentadas por seres invisíveis que, com seus cânticos, louvavam a Deus e à Virgem Maria. Por isso, Maria ganhou o título de Candelária, por causa das velas que iluminavam a imagem. Já o nome “candeias” faz referência à chama da vela que, simbolicamente, apresenta Jesus Cristo ao mundo. É por isso que as imagens devocionais ilustram Maria segurando o Menino Jesus ao colo.

Pela devoção popular, nos primórdios do cristianismo, a festividade de Nossa Senhora era denominada "das Candeias" porque comemorava-se o trajeto de Maria até o Templo, com uma procissão, na qual os devotos portavam velas acesas durante o trajeto. A procissão dos luzeiros é proveniente de um antigo costume dos romanos. Como a festividade era celebrada sempre no dia 2 de fevereiro, data em que os cristãos comemoravam a Purificação de Maria, o Papa Gelásio I (492-496) instituiu um solene cortejo noturno em homenagem à Mãe Santíssima, convidando o povo a participar com círios e velas acesas e cantar hinos em louvor a Nossa Senhora. Esta celebração propagou-se por toda a Igreja Romana e, em 542, Justiniano I instituiu-a no Império do Oriente após ter cessado uma peste. Mas as festas religiosas começaram a ser celebradas com procissão de velas a partir do século X, um pouco mais tarde, mas que fazem memória e celebram a fé em Maria e no seu Filho Jesus.

A partir destes fatos, pode-se afirmar teologicamente que Jesus é Aquele cuja luz clarifica todos os povos e todas as gentes. Então, Nossa Senhora das Candeias, pode ser também a Nossa Senhora da Luz, pois ambas apresentam Jesus, a Luz das nações. Nossa Senhora é portadora da luz que é Jesus. Todos os cristãos são convidados a receber essa luz e multiplicar as ‘grandes maravilhas’ operadas em Maria pelo Senhor. Assim como Jesus foi luz de todas as nações, todos os discípulos seus, no cotidiano da vida podem ser também a luz do Senhor.

Frei Augusto Luiz Gabriel, OFM

Conto de Natal 2022

Aproximava-se o Natal e a inspiração não vinha.

Desde há mais de dez anos que em cada Natal escrevia um Conto que, volta e meia, relia e se espantava como tinha tido tal inspiração.

A verdade é que, normalmente, quando se aproximava o Natal, numa qualquer madrugada acordava às seis ou sete da manhã, (o que tantas vezes lhe acontecia), e, sem perceber como ou porquê, a história para o Conto surgia no seu coração, no seu pensamento.

Depois era só escrever, mais tarde, e ao tempo que escrevia iam surgindo as frases encadeadas.

Mas este ano, nada!

O tempo estava a acabar e nem uma “luzinha” sequer de uma qualquer ideia para o seu Conto de Natal de 2022.

Percorria na memória cenas bíblicas, histórias passadas, episódios natalícios, mas nada, nenhum desses pensamentos lhe transmitia aquela “segurança” que costumava sentir quando lhe vinha ao coração e ao pensamento a trave mestra de cada Conto de Natal.

Bem, pensou ele, chegou ao fim este ciclo de Contos de Natal.

Acabaram-se as ideias, acabaram-se as razões, ou, simplesmente, haverá outro modo de escrever sobre o Natal, porque a escrita para ele, era um contínuo processo em que as palavras iam aparecendo conforme escrevia.

“Arrumou” os pensamentos na “gaveta mental” dos Contos de Natal e decidiu procurar outro modo de escrever o Natal.

Naquela madrugada de 24 de Dezembro, mais uma vez, acordou às seis da manhã.

Seria para rezar, certamente, porque o Conto de Natal já estava “arrumado” na memória.

Foi então que ouviu dentro de si uma voz que lhe dizia.

Queres um Conto de Natal, Joaquim?

Ficou em silêncio com receio que aquele momento acabasse de repente, mas no seu coração apenas dizia sim, mil vezes sim.

Novamente ouviu, ou sentiu, no seu coração aquela voz que lhe disse:

Pois bem o teu Conto de Natal este ano, Joaquim, sou Eu!

És Tu, Senhor? - Perguntou sem perceber.

Sim, Joaquim, sou Eu!

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que sofrem.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que nada têm.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão doentes.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão presos.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão em guerra.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão abandonados.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão desesperados.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão sós.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que são perseguidos.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que são ofendidos.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão traumatizados.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que não têm esperança.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que não têm amor.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que Me afastam.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que não acreditam.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que cantam, apesar de todas as dificuldades, «glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.»

Abriu os olhos, sorriu, e disse numa prece do seu coração:

Que lindo Conto de Natal, Senhor! Só podia ser escrito por Ti!

Joaquim M. Alves
Natal do Senhor, 2022